Não se trata da morte de um jornal, mas sim, do prenúncio de um novo tempo para a imprensa brasileira e para a sociedade. É impossível esconder a tristeza ou encontrar meios de disfarçá-la. Porém, depois de algumas cacetadas da vida, já aprendi que devemos achar sempre os aspectos positivos dos acontecimentos – embora, convenhamos, pareça piada achar algo de positivo numa crise financeira com mais de 100 milhões acumulados em passivos e que leva ao fim a versão impressa daquele que é, sem dúvida, um patrimônio da sociedade, este JB, como é carinhosamente conhecido o nosso Jornal do Brasil.
Depois de 119 anos (começou a circular em 1891) registrando em tinta e papel a nossa história, através das penas dos mais importantes nomes da imprensa brasileira, teremos que, de uma hora para outra, nos acostumar a ir às bancas de jornal e não mais ver ali, entre os principais diários, as páginas sempre pioneiras do JB. Isto significa que os cafés da manhã não serão mais o mesmo, sem o papel do JB sobre nossas mesas, ali entre o leite e o açucareiro. Não mais teremos as colunas do Villas-Bôas durante a travessia da barca entre Rio e Niterói e vice-versa. Não mais as análises políticas de Mauro Santayana, lidas em mesa de escritórios; não mais, também, o refino cultural dos textos do Caderno B, sempre devorado em preguiçoso sofá, numa biblioteca ou cafeteria. JB, a partir do dia 1º de setembro, só mesmo nas telas pixadas do computador, do notebook, do iPod e dos leitores digitais.
É, será uma virada abrupta de página. Mas engana-se, contudo, quem pensa que o JB virará uma página de história para uma página em branco. Não se trata da morte de um jornal, mas sim, do prenúncio de um novo tempo para a imprensa brasileira e para a sociedade. Está aí o tal aspecto positivo de que falava lá em cima.
Um parâmetro, um modeloO fim da versão impressa do JB, por mais doloroso que nos possa parecer, já era uma mudança pré-anunciada, tanto pela crise do mercado jornalístico em todo o mundo – o francês Le Monde também foi posto à venda recentemente –, quanto pelas mudanças provocadas pela comunicação social pós-internet. Esta – ainda que os jornalões resistam por cinco ou mais décadas, como nos querem fazer crer as associações do setor – vem forçando um ajoelhar desses que outrora eram sócios majoritários da notícia (e da publicidade).
O que acontece com o JB hoje é um exemplo do que virá para muitos outros periódicos e um reflexo da transformação do produto notícia, cada vez mais abundante, cada vez mais veloz, cada vez mais democrático e gratuito – devo dizer, graças à internet. A diferença é que muitos só enxergam isso diante do extremo de uma crise financeira já em estado avançado.
O JB foi pioneiro em muitas coisas. Contadas as suas histórias, faltaria papel para tanta tinta a ser escrita. Fez grandes coberturas, nacionais e internacionais, formou opiniões e comportamentos na sociedade, escreveu e reescreveu a história deste país e, especialmente, a do Rio de Janeiro. Isso fez dele um parâmetro, uma escola, um modelo, pois, afinal, que jornalista em sã consciência um dia não desejou trabalhar no Jornal do Brasil? Eu sempre quis, e continuo querendo, mesmo que este venha a ser só eletrônico.
Uma reticência, sim, mas nunca ponto finalO JB, é bom lembrar, foi o primeiro jornal brasileiro a incluir seu conteúdo no mundo virtual. Essa é outra mostra de seu pioneirismo. Agora, mesmo que visto por grande parte da imprensa como um gigante que joga a toalha, ele mais uma vez tenta transformar adversidade em inovação. Dá adeus ao papel, mas não à sua missão. Será o primeiro grande jornal a manter-se apenas de seu conteúdo em campo virtual. Rende-se a um novo tempo, mas moderno, rende-se à nova realidade que, com algum tempo (dez anos, quem sabe), será vista por outro ângulo e melhor aceita, querendo ou não. Ser um órgão de imprensa apenas na web não é algo ruim, tendo em vista um catálogo de exemplos de sites de notícia que já surgiram desta forma e esbanjam fôlego financeiro – o meio ambiente agradece.
Ao longo se sua história, junto de leitores, colaboradores, jornalistas e demais funcionários, o JB já enfrentou todo tipo de adversidade. E as superou. Esta é apenas mais uma. E desejamos que não seja a última, uma vez que se trata de um patrimônio vivo, imaterial e, portanto, livre daquilo que chamamos de morte. O JB será sempre o JB. E as páginas de sua história podem conter até uma reticência, mas nunca um ponto final.
Fonte: Thiago Mercier, Observatório da Imprensa
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