Do blog Balaio do Kotscho (http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/)
Só faltava ele! Pois ao abrir a capa (alguns preferem chamar de home page) do portal Estadão.com, a 72 horas das eleições presidenciais, tomo um susto ao ler a manchete: “Papa condena aborto e pede a bispos que orientem politicamente fíéis”.
Diz a nota que “em reunião em Roma na manhã desta quinta-feira, 28, o papa Bento XVI conclamou um grupo de bispos brasileiros a orientar politicamente fiéis católicos. Sem citar especificamente as eleições de domingo, o Papa reforçou a posição da Igreja a respeito do aborto e recomendou a defesa de símbolos religiosos em ambientes públicos”.
Além de condenar o aborto, como se alguém pudesse ser a favor do aborto, embora muitos defendam a sua descriminalização, o papa também cobrou o ensino religioso nas escolas públicas e defendeu a luta pela manutenção dos símbolos religosos, citando o monumento do Cristo Redentor no Rio, como se eles estivessem ameaçados.
O Brasil é um Estado laico e mantem relações diplomáticas com o Estado do Vaticano. Com que direito Sua Santidade vem meter o bedelho em questões internas de um país às vésperas das eleições presidenciais? Já não basta o papel impróprio e deprimente exercido por alguns dos seus bispos que, com esta falsa questão do aborto, transformaram seus altares em palanques contra uma candidatura e a favor de outra, distribuindo panfletos políticos em lugar de homilias?
Depois de ser explorado até a exaustão pelos bispos teefepeanos, telepastores dos dízimos e, principalmente, pela mídia, o assunto já tinha até saído de pauta, tão rapidamente quanto entrou, porque as últimas pesquisas mostraram que ele não estava mais rendendo nenhum resultado nas intenções de voto dos eleitores.
Em artigo publicado terça-feira no Observatório da Imprensa, o analista de mídia Cristiano Aguiar Lopes prova com números de uma pesquisa que “houve um esforço coordenado e eficiente dos principais jornais e revistas do país para insuflar a polêmica sobre o tema com vistas a um fim eleitoral mais que óbvio: roubar votos de Dilma entre eleitores conservadores contrários à descriminalização do aborto”.
Os números são impressionantes: a três dias do primeiro turno, no dia 30 de setembro, as principais publicações do país pesquisadas registraram 149 menções sobre o aborto, chegando a 430 no dia 8 de outubro, na primeira semana do segundo turno que foi dominada pelo tema.
“A primeira escalada ocorre pouco antes do primeiro turno e tem como objetivo conquistar os votos de indecisos e de dilmistas não muito convictos. A segunda, bem mais intensa, busca transferir para Serra os votos de um grande contingente de eleitores conservadores _ sobretudo católicos e evangélicos _ contrários à descriminalização do aborto”, conclui Cristiabno Aguiar Lopes.
A pesquisa prova também que não houve “onda verde” nenhuma que tenha provocado o segundo turno. Foi, na verdade, uma “onda religiosa” nas igrejas e nos subterrâneos da internet que beneficiaram a candidata evangélica Marina Silva e levaram a eleição ao segundo turno, usando a ameaça do aborto como instrumento eleitoral.
O Papa foi inconveniente, chegou atrasado na história e entrou de gaiato numa falsa polêmica que até a mídia já tinha esquecido. Deveria se preocupar mais com os casos de pedofilia envolvendo religiosos que grassaram nos últimos anos em sua igreja, com a fuga de fiéis e o esvaziamento dos seus templos. Não precisamos dos seus conselhos para saber como deveremos votar no domingo.
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