Dupla - e triste - cozinheira
Furtivamente, como todos os dias, ela sai do calorão
que a confinou durante sete horas em um restaurante da Cidade Baixa, em
Porto Alegre. Parece o paraíso, especialmente porque o dono do
restaurante lhe brinda com uma cerveja. Nada parece melhor em pleno
calor beirando os 40 graus. Ela bate-papo com os clientes e logo se
levanta para seguir seu rumo. Deixa, porém, uma tristeza:
“Cozinhei o dia todo e agora chego em casa e tenho que cozinhar novamente”.
A frase poderia ficar no ar se alguém não lhe perguntasse:
- Como cozinhar em casa?
- Eu chego lá e tenho que fazer comida para quatro – lamenta, chorosa.
- Mas tem que ser tu? Ninguém mais cozinha? – alguém pergunta, já conhecendo a resposta.
- Não, só eu cozinho – diz, dando uma guinada, como se
estivesse insatisfeita com o questionamento ou com uma eventual resposta
aterradora.
Ela vai embora e deixa a dúvida. O
dono do bar esclarece. Ela mora com o marido, desempregado e envolvido
com pequenos delitos, e com dois filhos maiores, que nem sabem o rumo de
vida a tomar. Na verdade, ela é a mão de obra da família. E não que
ouse voltar sem disposição para preparar a janta.
- Tem dias que eles querem sobremesa – diz, antes de ingressar no corredor de ônibus.
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