Jornalista por vocação e acadêmico de história por curiosidade, entrei sem querer no mundo da literatura. Ou melhor, do conto. A possibilidade de fazer Escrita Criativa me assustou no início. Tão diferente da escrita jornalística, o conto foi ganhando aos poucos o meu fascínio. Depois de escrever algumas histórias e ter outras engatilhadas, aceitei o desafio de analisar este O Travesseiro de Penas, do uruguaio Horácio Quiroga, escrito em 1907. Quase um século. Não é fácil, pois se trata de “um soco no estômago”, daqueles em que a gente demora para recuperar-se. É, com certeza, uma narrativa psicológica em que emerge a miséria humana, tão presente no cotidiano de muitas pessoas e famílias. Mas que poucos identificam.
No início do conto, Horácio ousa mostrar o caráter psicológico dos dois personagens e a fragilidade do relacionamento, antecipando de forma subliminar o final trágico e o horror da sequência. Não precisou citar os nomes. Ela é loira, angelical e tímida. Ele, de caráter duro. Pronto, é a deixa para a frase inicial: “Sua lua-de-mel foi um grande pesadelo”. De fato, foi. Em princípio, o que poderia desestimular o leitor a continuar a leitura, acaba por cativá-lo. Afinal, quem é este casal?
Horácio caracteriza bem seus personagens, os coloca no ambiente, arranca o leitor de seu marasmo habitual. Eu me senti interessado, impressionado, sacudido. Especialmente quando, mais adiante – já citando os nomes do casal (Alícia e Jordán) – diz que ela o amava muito e ele a amava profundamente (mesmo que não demonstrasse). Tanto “amor” a fez adoecer no intervalo de três meses, morrendo em seguida. A narrativa mostra os efeitos trágicos e de terror do meio ambiente sobre o ser humano. Alícia era frágil e não suportou o casamento com um homem severo e cujo semblante a reprimia.
A Alícia caracterizada por Horácio morreu aos poucos, impotente pra reagir. Como se o destino fosse aquele, não havendo nada para mudá-lo. Em muitos momentos, o autor avança o universo feminino como se o conhecesse a fundo. Pode ser! Mas também nota-se que ele produziu uma obra ficcional como quisesse entender a si e o mundo em que vivia. Quem sabe, fazendo vislumbrar uma realidade parecida com a sua.
O contista mostra tudo de terrível que possa acontecer a uma pessoa neste conto: insanidade, sofrimento, alucinações, impotência e mistério – afinal, a doença e a morte surgiram do nada. Isso fica claro numa parte do texto: “Os médicos voltaram inutilmente. Havia ali, diante deles, uma vida que se acabava, esvaindo-se dia a dia, sem se saber absolutamente como.” A morte chegava, mas era misteriosamente inexplicável.
Fascina no conto a expectativa causada no leitor. Por diversas vezes, imaginei que ele poderia ser concluído, mas Horácio conseguiu, com maestria, estendê-lo sem cansar quem está lendo. A estratégia foi separar noite (sofrimento) e dia (ameniza). No texto, diz: “Durante o dia sua enfermidade não avançava, mas toda a manhã amanhecia lívida... Parecia que unicamente à noite sua vida se ia em novas ondas de sangue”.
Muita gente pode não se sentir atraído por estes momentos de horror, narrados se forma singular. Parece, entretanto, que muitos autores são é atraídos por dois sentimentos que parecem antagônicos: o amor e o medo. Eles caminham junto ao homem. Horácio conseguiu mostrar isso com inegável competência. Em pouco tempo (três meses de casamento de Alícia e Jordán), ele colou amor e medo (com terror) numa mesma história. Trata-se de uma obra digna de mestre.
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