Reproduzo, pela relevância do tema abordado e pelo texto elegante, artigo do jornalista Ivan Trindade, publicado no blog "Falando sozinho":
Cara Soninha,
Não nos conhecemos. Acompanhei sua carreira pela televisão, desde os tempos de MTV.
Sempre gostei de você, da sua imagem pública, do jeito como você se meteu no futebol, sem medo de entrar em um campo quase que totalmente dos homens.
Fiquei do seu lado quando você foi crucificada pela mídia retrógrada ao assumir que fumava maconha e que já tinha feito um aborto. Solidarizei-me quando você foi demitida da TV Cultura tucana por esses mesmos “crimes”.
Mesmo longe, morando em Porto Alegre e depois no Rio, fiquei sabendo do início da sua carreira política, das suas idéias progressistas quanto ao meio ambiente, e sua luta por um trânsito mais civilizado e humano em São Paulo. Quando você saiu do PT, achei normal, afinal a luta progressista pode ser feita em ouros espaços e ninguém é obrigado a ser petista, mas não esperava o que estava por vir.
Quando me mudei para São Paulo, em janeiro de 2008, pensei que agora poderia votar em você, mas um descuido me fez perder a data para mudar o domicílio eleitoral, mas te apoiei no primeiro turno da eleição para prefeita.
O primeiro estranhamento veio logo no segundo turno, quando vi você apoiar Gilberto Kassab. Sei que recém saída do PT seria difícil apoiar Marta, mas porque não ficar neutra?O segundo estranhamento veio quando você aceitou ser sub-prefeita da Lapa na administração do mesmo Kassab. Fiquei pensando se o apoio não tinha sido na verdade a sua parte no trato com o Demo? Será que foi? Mesmo assim, continuei seu fã. Continuei achando que você representava um conjunto de idéias interessantes para a discussão política no país.
Mas aí, veio 2010, e não tive mais como te apoiar.
Não lembro o dia exato em que aconteceu, mas lembro muito bem da reação que tive ao ler a notícia de que você apoiaria José Serra para presidente. E não apenas isso, faria parte da campanha. Ok, José Serra não é o demônio e apesar de não votar nele de forma alguma, reconheço que é um nome importante na política nacional. Nada demais em apoiar José Serra, claro.
Porém, você mesmo sentiu que o apoio era difícil de digerir e foi obrigada a publicar uma justificativa no seu blog.
Mas aí veio a campanha e o José Serra que conhecíamos sumiu. No seu lugar, apareceu um beato raivoso, um mentiroso patológico e uma aproveitador baixo.
Serra jogou sua biografia no lixo e você aproveitou para jogar a sua também.
Desde o início, os panfletos apócrifos, a aliança com o que há de pior na igreja católica, nas igrejas evangélicas e na grande mídia. O que já começou mal, só piorou, com boatos diários atacando a imagem da adversária. Se negavam autoria do jogo sujo, a campanha oficial e o próprio candidato em momento algum desautorizaram a campanha subterrânea mais suja da história da democracia brasileira. E você no centro disso tudo.
Lembra do episódio do metrô, quando sem prova alguma você insinuou uma sabotagem petista?
Teve também a propaganda em que aparecia o Zé Dirceu chamando a Dilma de “Minha companheira de armas”. Que feio tentarem criminalizar os bravos brasileiros que lutaram contra a ditadura, um deles o próprio José Serra. Mas vocês acharam que isso daria votos. No final, conseguiram dividir o país e criar um clima de ódio como nunca antes se havia visto.
Exploraram também a questão do aborto com a própria esposa do candidato Serra chamando a adversária de “matadora de criancinhas”. Então, como milagre, os apoiadores de Serra colocaram fotos de bebês como avatar no Twitter e no Facebook. A quem serve isso? É com esse debate político que vocês queriam propor uma alternativa para o país? O que dizer então da hipocrisia quando foi revelado que a própria Mônica Serra havia feito um aborto?
É claro que houve erros do lado da campanha da Dilma e dos seus apoiadores, inclusive dos “blogs sujos”, assim apelidados pelo Serra. Não serve a ninguém chamar Serra de vampiro (o que eu fiz também e peço desculpas), de fujão e de qualquer outra coisa, mas você há de convir que há uma grande diferença entre usar apelidos maldosos e distribuir milhões de panfletos chamando Dilma de terrorista assassina. Muitos desses panfletos produzidos em uma gráfica de propriedade da esposa de um tucano envolvido na campanha.
Outro bom fator de comparação entre as duas campanhas foi o programa de TV. No de Serra, ataques, disseminação de preconceitos e tentativa de desclassificação da Dilma, além de propostas vazias e eleitoreiras. No programa de Dilma, prestação de contas dos feitos do governo Lula e compromissos concretos baseados na experiência de quem governa o país com sucesso há oito anos, com 83% de aprovação. Até acho que você pode não ter tido nada a ver com os programas de TV, mas concordou com a exploração do tema do aborto, por exemplo.
Já no primeiro turno, ficou claro que o povo não aprovava tal estratégia e se não fosse o fator Marina, vocês já teriam sido derrotados. A campanha do Serra, porém, não fez essa leitura e resolveu insistir no debate político mais baixo possível.
Não só mantiveram, como aprofundaram a tentativa de enganar a população. Com a ajuda da Rede Globo, forjaram um ataque ao candidato por petistas raivosos em Campo Grande. Uma bolinha de papel virou um objeto de dois quilos, mas que milagrosamente não deixou nenhuma marca ao atingir em cheio a cabeça do candidato. Logo o ridículo foi exposto e Serra virou hit no Twitter. Nesse dia fui ver o que você estava escrevendo no microblog e descobri que o humor tinha sumido da sua vida. Você bradava que o PT sempre fazia isso. Tinha comprado a tese do ataque fajuto.
Veio a eleição e o povo deu o seu recado. Mais 4 anos para o projeto que vem transformando o Brasil desde 2003. Terceira derrota seguida para o partido que quase jogou o Brasil na bancarrota, mesmo vendendo várias partes do patrimônio nacional. E principalmente derrota para o candidato que escolheu o ódio, a divisão, a mentira, a raiva.
Na segunda-feira, dia 1º de novembro, assisti a um vídeo na internet. Era um debate entre você e o prefeito petista de Osasco (obrigado pelas correções). Tenho que te dizer que me assustei. A Soninha que eu estava acostumado a ver na ESPN BR e antes disso na MTV, sempre leve e com um cacoete de rir enquanto falava havia sumido. No lugar, vi uma mulher raivosa, exasperada, desesperada mesmo com a derrota acachapante que havia sofrido (digamos que 12 milhões de votos de diferença é uma derrota acachapante). Vi uma mulher tentando transferir para os adversários tudo aquilo que ela mesma fez durante a campanha. Todas as mentiras, as agressões e as estratégias subterrâneas que mancharam a democracia brasileira.
Hoje me pergunto se vou voltar a ver a Soninha que estava acostumado a ver na TV ou se aquela jornalista séria e progressista deu lugar definitivamente a uma agente política raivosa que usa o que há de pior no mundo da comunicação para tentar eleger seu candidato? Fica a pergunta.
Abraços, Ivan Trindade
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