terça-feira, 2 de outubro de 2007

Quinze anos do massacre de Carandiru

Nesta terça-feira, 2 de outubro, quando o relógio marcou 11 horas, o início de um dos episódios de maior violência e desrespeito aos direitos humanos da história do Brasil completou 15 anos: o massacre do Carandiru, quando 111 presos foram assassinados em 1992 por policiais na casa de detenção da Zona Norte paulistana. A UNE, ao lado de entidades estudantis de todo país, fez uma matéria especial para lembrar o massacre e cobrar justiça nesta terça em sua página, o EstudanteNet.
A data servirá também para lembrar que serão completados 15 anos de impunidade dos policiais envolvidos nos crimes. Mais de 80 deles, acusados de homicídio, ainda esperam pela decisão do júri e a defesa quer estender a absolvição. Ninguém até hoje foi punido. Pelo contrário. A cidade de São Paulo entregou, na sede da Câmara Municipal de São Paulo, no último dia 21 de setembro, o título de cidadão paulistano ao coronel aposentado da Polícia Militar Luiz Nakaharada.
Nakaharada, um dos denunciados pelo Ministério Público pelos crimes no Carandiru, teria entrado atirando com uma metralhadora Beretta 9 milímetros. Ele comandou 74 homens, dos 325 policiais militares que ingressaram no pavilhão 9 da casa de detenção, todos sem as respectivas insígnias e crachás de identificação.

O massacre

Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre dois presos -Coelho e Barba- deu início a um tumulto no pavilhão 9, que culminou com o Massacre do Carandiru. Segundo a pesquisa das professoras Sandra Carvalho e Evanize Sydow, tendo como fonte o estudo "Massacre do Carandiru, Chega de Impunidade", elaborado pela Comissão Organizadora de Acompanhamento para os Julgamentos do Caso do Carandiru, apesar do tumulto e de sinais de fogo, não havia perigo de fuga de presos.
Os presos, inclusive, quando perceberam a chegada da polícia começaram a jogar estiletes e facas para fora, demonstrando que não resistiriam à invasão. Alguns colocaram faixas nas janelas, pedindo trégua. A tomada do térreo do prédio pelos policiais foi feita sem resistência ou reação com armas de fogo por parte dos presos, segundo o depoimento dos próprios oficiais envolvidos na ação.
Mas soldados do Grupo de Ações Táticas Especiais –desrespeitando a ordem das autoridades reunidas de tentar uma última negociação– quebram o cadeado e correntes do portão do pavilhão e invadiram o local. Não foi permitida a presença de autoridades civis durante a invasão.

111 mortos, todos detentos

"Os PMs dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas, visando principalmente a cabeça e o tórax. Na operação também foram usados cachorros para atacar os detentos feridos. Ao final do confronto foram encontrados 111 detentos mortos: 103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo) e 8 mortos devido a ferimentos promovidos por objetos cortantes", constatou a pesquisa. Houve ainda 153 feridos, sendo 130 detentos e 23 policiais militares. Nenhum policial foi morto.
Cerca de 80% das vítimas do massacre esperavam por uma sentença definitiva da Justiça, ou seja, não tinham sido condenados. Só nove deles haviam recebido penas acima de 20 anos. Do total de presos mortos, 51 deles tinham menos de 25 anos e 35 tinham entre 29 e 30 anos. Dos detentos recolhidos na Casa de Detenção, 66% eram condenados por assalto e 8% por homicídio.
Quando a perícia chegou ao local da violência policial, os responsáveis pelo massacre haviam modificado a cena do crime, destruindo provas valiosas que teriam possibilitado a atribuição de responsabilidade pelas mortes a indivíduos específicos. Civis foram proibidos de irem até os andares superiores do Pavilhão 9, enquanto a PM dava ordens aos detentos para que removessem os corpos dos corredores e celas a fim de empilhá-los no 1° andar.

Intenção de matar


De acordo com a análise da perícia, só 26 detentos foram mortos fora de suas celas. A maioria deles foi atingida na parte superior do corpo, em regiões letais como cabeça e coração. Dos 103 mortos por arma de fogo, 126 receberam balas na cabeça. O pescoço foi alvo de 31 balas, e as nádegas 17. Os troncos tiveram 223 tiros. "Os exames de balística informam que os alvos sugerem a intenção premeditada de matar", disse a pesquisa.
O estudo acrescenta ainda: "A tese de que houve confronto armado entre policias militares e detentos não é sustentada pelas provas dos autos do processo. A legítima defesa alegada pela cúpula da Polícia Militar não tem fundamento nos fatos". O laudo do Instituto de Criminalística concluiu que: "Em todas as celas examinadas, as trajetórias dos projéteis disparados indicavam atirador (es) posicionado(s) na soleira das celas, apontando sua arma para os fundos ou laterais. Não se observou quaisquer vestígios que pudessem denotar disparos de armas de fogo realizados de dentro para fora das celas".

Na justiça


No comando da operação policial estava o coronel Ubiratan Guimarães, morto em setembro do ano passado. Em 2001, ele chegou a ser condenado a 632 anos de prisão por co-autoria em 102 mortes e em cinco tentativas de homicídio. Ele recorreu da condenação em liberdade e, cinco anos mais tarde, a sentença foi anulada e Ubiratan absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Os desembargadores entenderam que o coronel agiu em estrito cumprimento da ordem e em legítima defesa. "A Justiça já reconheceu que não ocorreu esse massacre. Houve um confronto entre 2.069 presos que atacaram 80 e poucos policiais que estavam cumprindo ordens superiores para salvar presos de um incêndio", diz o advogado Vicente Cascione, que defendeu o coronel nos tribunais.
"Para nós, continua existindo o massacre porque há 84 réus no processo. Mortes de presos não têm um grande clamor social, por isso até hoje ninguém foi punido. Existe omissão por parte da Justiça", acusa Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Nem mesmo por meio da PM os policiais receberam qualquer tipo de punição, segundo Norberto Jóia, promotor do caso. "O pior é saber que ninguém foi punido. Ou que a tentativa de punição do comandante foi frustrada", lamenta ele. O promotor aponta que o resultado da ação é citado em "estatuto" da organização criminosa que age a partir dos presídios paulistas como uma motivação para a união dos presos.

Dano moral

Na outra ponta, familiares dos mortos reclamam até hoje ressarcimento na Justiça. A extinta Procuradoria de Assistência Judiciária de São Paulo ajuizou 59 ações, acompanhadas atualmente pela Defensoria Pública. De acordo com o órgão, quase 20% delas ainda estão em discussão nos tribunais. Os demais casos obtiveram de cem a 200 salários mínimos por dano moral, de R$ 38 mil a R$ 76 mil em valores atuais. Mas quem teve sentença favorável entrou na chamada "fila do precatório" (dívida judicial do estado) e teve a indenização dividida em dez parcelas. As primeiras famílias começaram a receber o ressarcimento há quatro anos – 11 anos após as mortes. Alguns parentes conseguiram ainda na Justiça direito à pensão mensal vitalícia.
"Nada substitui uma vida. Independente de ser pouco ou muito (o valor do dano moral) não vai trazer ele de volta. Se for por danos morais é pouco, eu tenho três filhos com ele. Bem ou mal, de lá de dentro ele me ajudava", diz uma viúva de um preso que preferiu não ter a identidade revelada.

Livro, filme, musica e uma triste memória

Passados 15 anos, a história tratou de registrar para sempre o massacre do Carandiru. O triste episódio virou música pelas letras de Mano Brown; livro pelas mãos do médico Drauzio Varella e filme pelas lentes dos diretores Hector Babenco e Paulo Sacramento.

Fonte: Portal Vermelho

www.vermelho.org.br