segunda-feira, 16 de março de 2009

A excomunhão da vítima

Por Miguezim da Princesa *

I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

(*) Poeta popular, Miguezim de Princesa,
é paraibano radicado em Brasília.

O Batalhao de Letras, de Quintana



A colega Lu Vilella, comandante da Livraria Bambonetras, na Cidade Baixa (Porto Alegre), continua mandando belas sugestões de literatura. Desta vez, está divulgando um clássico do saudoso poeta gaúcho Mario Quintana. Vale a pena ler o que ela escreveu. E ir correndo comprar o livro.



O Batalhão das Letras, de Mario Quintana, é um livro infantil para adulto nenhum botar defeito. A partir da clássica fórmula do "bê de bola", o poeta gaúcho usa todos seus recursos de linguagem para desenvolver versos que alfabetizam enquanto encantam.
O texto segue as novas normas da reforma ortográfica.
Aliando alfabetização lúdica e poesia, há mais coisas para aprender e para apreender do que apenas o alfabeto. Uma delas é a própria poesia. Pois todos os principais recursos dessa linguagem estão aqui realizados à perfeição. Além disso, a estrutura poética utilizada e a sua reiteração tornam tudo evidente, além de sedutor.
As ilustrações merecem um comentário à parte. Por um lado, elas são claras e "infantis", mas por outro lado, não são simples simplificações. Pois incorporam muito do modernismo senso lato, na descomplicação dos traços e da perspectiva, e na exuberante paleta de cores, que às vezes evoca Matisse , às vezes Gauguin .
Quanto à composição, seguindo à risca o jogo de letra-puxa-palavra das quadrinhas, o resultado parece às vezes uma fábula tradicional, às vezes Chagall, como na estrofe do V de vento, às vezes a fantasia ensandecida de Lewis Carroll, juntando xícaras gigantes com peças de xadrez numa toalha idem.
Além disso, as ilustrações propõem um jogo ao leitor: nas imagens desenhadas, descobrir a letra tema daquela página.
Como disse, um clássico!
Nossas crianças bem que merecem.

Título: O Batalhão das Letras
Autor: Mario Quintana
Preço: R$ 19,80

Resposta à ofensa da Folha

Celso Lungaretti

Ao Conselho Editorial da Folha de São Paulo

Dirijo-me a este Conselho na condição de cidadão brasileiro indignado com o falseamento da verdade histórica no editorial Limites a Chávez, de 17/02/2009, quando o regime despótico de 1964/85 recebeu a designação mistificadora de "ditabranda", um escárnio para todos que padecemos sob o pior totalitarismo que este país já conheceu, responsável pela tortura de dezenas de milhares de cidadãos, pelo assassinato de centenas de resistentes (desde os que não suportaram as sevícias até os capturados com vida e friamente executados), por estupros e por ocultação de cadáveres, além de um sem-número de violações dos direitos constituicionais dos brasileiros.

Falo também como vítima direta dessa ditadura, já que fui sequestrado, torturado, lesionado para sempre e coagido a participar de uma farsa televisiva altamente lesiva à minha imagem.

E, ainda, como leitor da Folha a quem é sistematicamente escamoteado o direito de resposta e de apresentação do "outro lado", seja com a concessão de espaços ínfimos no Painel do Leitor para repor a verdade dos fatos em episódios nos quais as versões deformadas ou falaciosas tiveram grande destaque editorial, seja com a total desconsideração por minhas mensagens.

É o que acaba de acontecer, pois a Folha ignorou olimpicamente minha mensagem de crítica ao lançamento do neologismo "ditabranda", meu protesto ao ombudsman (que nada respondeu) e minha mensagem de crítica ao ataque descabido da redação a dois ilustres defensores dos direitos humanos.

Venho reiterar que a Folha deve aos brasileiros um editorial esclarecendo exatamente qual é a sua posição sobre a ditadura dos generais, pois um assunto de tamanha gravidade não pode ser tratado de forma tão apressada e superficial como o foi no editorial de 17/02 e nas notas da redação de 19/02 e 20/02.

E também que deve desculpas aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Vitória Benevides, pois é simplesmente ridícula a presunção de que, antes de se pronunciarem sobre a ditadura que vitimou seu país, eles seriam obrigados a um posicionamento público sobre os regimes políticos de outras nações.

A Folha não incidiu apenas no erro da falta de cordialidade, como pretende o ombudsman, mas fez acusações insustentáveis contra dois cidadãos respeitados e ofendeu a inteligência dos seus leitores, ao misturar tão grosseiramente alhos com bugalhos, na linha do besteirol característico de sites fascistas como o Ternuma.

Se a Folha agora quer ter rabo preso com a extrema-direita, que, pelo menos, o assuma francamente. Caso contrário, que reconheça, também francamente, ter incidido em excessos que não definem sua verdadeira posição.

O que não pode é, simplesmente, encerrar de forma unilateral um debate que desnecessariamente provocou e agora se voltou contra si, deixando de dar satisfações e esclarecimentos aos leitores que sentiram-se atingidos por seus textos.

Celso Lungaretti é jornalista.
Edita o blog http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/ Seu email é lungaretti@uol.com.br