sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A histórica influência do jornalismo na vida política brasileira‏

Rachel Duarte

Vou derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos”. Talvez este tenha sido o ápice do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último final de semana, durante comício em Campinas (SP). Não precisava nem ser ano de eleição para a declaração repercutir como uma bomba ao longo desta semana. A posição da Associação Nacional de Jornais (ANJ) foi dada pela sua presidente. Judith Britto afirmou que, por falta de uma oposição ao governo de Lula, a imprensa ocuparia este papel.
Hoje, diferentes grupos estão nas ruas da capital paulista fomentando o debate sobre liberdade de imprensa. Porém, os confrontos entre imprensa e governantes e até mesmo entre imprensa e candidatos à presidência da República não é novidade no Brasil Republicano. Em 1954, quando foi anunciado o suicídio do presidente Getúlio Vargas, defensores do seu governo invadiram e depredaram as redações dos Diários e Emissoras Associados (DEA), que criticavam duramente as ações do presidente trabalhista. Segundo o historiador gaúcho Voltaire Schilling, a campanha O Petróleo é Nosso pautou a imprensa, liderada pelo influente Francisco de Assis Chateaubriand, dono dos DEA. Ele alegava que a Petrobras seria uma concessão aos comunistas. “Este foi o caso mais famoso e que levou a um desenlace dramático: o suicídio de Getúlio. O argumento da imprensa era o de que estava sendo criada uma estatal contra o país. A iniciante TV Tupi impulsionou esta crise”, disse.
Em defesa de Getúlio surgiu o jornal Última Hora, do jornalista Samuel Wainer. A ideia inicial do jornal foi de Vargas, que conheceu Wainer quando o jornalista o entrevistou em 1949. Vargas estava “exilado” na sua fazenda em São Borja desde que fora deposto, mas já planejava o retorno. Em 50, voltou ao poder, eleito democraticamente. A UH defendeu o governo durante todo o seu mandato (1951-54). Por conta disso, enfrentou uma série de campanhas que ameaçavam a sua própria existência.
Durante o governo de João Goulart, a Última Hora permaneceu fiel à sua tradição trabalhista, apoiando o presidente até as vésperas do movimento militar que o depôs, em 1º de abril de  1964. Depois do golpe, a Última Hora foi apedrejada e Samuel Wainer teve seus direitos políticos cassados. Mas o jornal prosseguiu na sua trajetória popular e nacionalista até 1971, quando foi vendido por Wainer. A antiga redação foi desmantelada e o jornal passou por vários proprietários até 91, quando encerrou definitivamente suas atividades.
Segundo o historiador Schilling, no caso de Jango, “a grande mídia também se revoltava contra os propósitos de transformar o Brasil em uma democracia de massas”. Ele conta que foi feito um trabalho de corrosão pelo rádio. “Eram programas humorísticos, onde claramente era posto que o governo era corrupto”, conta. A diferença do que era feito no começo do Brasil República para a era Lula, segundo o professor, é que hoje a imprensa não pede o golpe de estado. “Por mais que a mídia faça manifestações contra o Lula, como sempre fez com os governantes com projetos que defendam os interesses das classes mais populares, eles não pedem o golpe”, argumentou. Ele salienta ainda que  os interesses dos veículos de comunicação mais influentes do país nunca foram os mesmos dos modelos de gestão de partidos socialdemocratas. “Os grandes patrocinadores destes veículos não têm a preocupação social e é a estes que eles servem. O interesse patronal predomina na pauta destes veículos”, afirma.
O jornalista e doutor em Comunicação, editor da Revista da ADUSP (Associação dos Docentes da USP), Pedro Pomar, explica que o surgimento dos jornais no Brasil teve forte motivação política e, no período republicano, essa vocação se mantém mesmo após o processo de transformações dos grandes jornais, que deixaram de ser empreendimentos familiares para serem modernas empresas capitalistas. “Iniciou com o Jornal do Brasil, depois alcança A Província de S. Paulo (que se tornará O Estado de S. Paulo), o Correio Paulistano e diversos outros. O Correio Paulistano, sólido jornal diário que foi um dos maiores da capital paulista por várias décadas, é uma boa expressão da imprensa da segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20, pois era o jornal oficial do Partido Republicano Paulista (PRP), a mais fina representação dos grandes cafeicultores”.
Como exemplo da notória influência dos grandes jornais e emissoras de rádio e, depois, das emissoras e redes de TV, nas crises políticas nacionais, o jornalista voltou ao exemplo de 64, também referido pelo historiador Voltaire Schilling. “Um exemplo sempre lembrado é a participação dos grandes jornais no cerco golpista da UDN (e de outras forças reacionários) a Vargas, participação essa que depois recebeu o devido troco da população revoltada. E, também citou um caso mais recente: a eleição de Fernando Collor de Mello. “Houve uma adesão de importantes setores da mídia, TV Globo à frente, à candidatura de Collor de Mello, em 1989. Esse engajamento midiático foi decisivo para a derrota de Lula”, recordou.
Quanto aos interesses que levam a este comportamento de parte da mídia, ele generaliza: “Existe um interesse pecuniário direto, uma relação de troca. Por exemplo, o governo de São Paulo acaba de adquirir, sem licitação, 34 milhões de reais em publicações da Editora Abril. É um negócio interessante para a Abril. Por outro lado, existem os interesses de classe desse setor do empresariado, que sempre se alinhou às forças políticas mais conservadoras do país. Assim, quando a Folha de S. Paulo fala em “ditabranda” para definir a Ditadura Militar de 1964, isso remete imediatamente ao apoio que essa empresa deu àquele regime”, falou.
O jornalista vai mais além e questiona: “Quando a TV Globo abre campanha contra os quilombolas e se recusa a publicar matéria paga favorável às cotas étnicas na universidade, isso reflete ou não uma posição de classe, ideológica e também política?”

Regulamentação e entrelinhas

Para o presidente da FENAJ, Celso Schröder, a alternativa para evitar o que considera “uma relação ambígua dos grandes meios de comunicação com o centro do poder no país” seria efetivar o que já foi pactuado com os empresários destes veículos e o restante da categoria na 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “O melhor modelo seria o norte-americano, que combate, entre outras coisas, os cartéis das concessões para as empresas jornalísticas”, defendeu.
Schröder afirma que, mundialmente, há veículos que ultrapassam o seu papel de comunicadores e fiscalizadores dos poderes, mas, reconhece alguns excessos ocorridos no Brasil. “Existem dois grupos de jornais impressos que têm candidato e isto não é assumido”, mas é nítido. O presidente da Fenaj alega que existem duas razões por trás deste comportamento da imprensa do eixo do país: brecar a regulamentação do sistema de comunicação do Brasil e influenciar no resultado da eleição presidencial. “A interferência no processo eleitoral cria um ambiente negativo, influenciando no resultado das pesquisas”, justifica.
Neste mesmo sentido, o fundador do Movimento dos Sem Mídia (MSM), Eduardo Guimarães, que colaborou na organização do ato desta quinta-feira em SP, afirmou ao Sul21, nesta quarta-feira, 22, que há uma posição velada adotada por parte da imprensa neste pleito. “Há uma clara tentativa de influir no processo eleitoral e, na legislação do Brasil, veículos que têm concessão pública, como emissoras de rádio e televisão, não podem, por lei, manifestar apoio a qualquer candidato. Há veículos que têm concessão pública e que estão fazendo campanha para José Serra. E, mesmo os veículos impressos têm que agir com responsabilidade durante as eleições. Vamos pedir oficialmente, no ato público, respeito à população. Pediremos um processo eleitoral limpo”, antecipou.
Na avaliação do doutor em Comunicação, Pedro Pomar, “a ANJ é  um órgão do patronato e representa os interesses desse setor do capital e a pretensão de falar em nome da oposição conservadora, e até de assumir a liderança nos ataques ao governo Lula, revela uma dicotomia. “Por um lado, é a eterna pretensão de um setor da imprensa brasileira de agir como partido político e por outro lado, um certo desespero diante da constatação de que seus aliados tradicionais, os partidos conservadores, em especial o PSDB, não conseguem se firmar como uma alternativa política consistente diante da sociedade brasileira”, afirmou.

Os donos da comunicação no Brasil

Na manhã desta quinta-feira, 23, o presidente Lula concedeu entrevista sobre este tema ao site Terra. Ele criticou o comportamento da imprensa que “ao disseminar bobagens vai despolitizando a sociedade”. Entre outras coisas declarou: “Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores”.
Para Lula, críticas à falta de liberdade na área de comunicação, mais do que injustas, não têm sentido. Ele diz duvidar que outros países tenham mais liberdade de informação do que o Brasil. “A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais”, disparou.
Segundo o presidente da FENAJ, Celso Schröder, o discurso do presidente, bem como as críticas da imprensa são legítimos no processo democrático, porém, questiona a decisão de determinados veículos em ser a oposição do governo Lula. “Não dá para a imprensa ser um partido. Mas, há de se preservar a neutralidade da objetividade jornalística que a imprensa deve exercer. Mas, nós temos dados assustadores de senadores e deputados federais ou mesmos presidentes, que são proprietários de veículos de comunicação”, confirmou.
Sobre a regulamentação do sistema de comunicação do país, o editor da Revista da ADUSP Pedro Pomar salienta que é fundamental o debate na sociedade. “No que diz respeito às mídias eletrônicas de massa, o simples cumprimento dos dispositivos da Constituição Federal já seria um avanço em matéria de regulamentação”, afirma.  Pomar recordou que, entre as prioridades aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro de 2009, “a regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal e sua observância no que tange aos quesitos que as emissoras de rádio e TV devem preencher para obter outorgas e renovação de outorgas, ou seja: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

Lula: "nove ou dez famílias" dominam a comunicação no Brasil

 A três meses e meio do término de seu governo, o presidente Lula está certo da vitória de sua candidata à presidência da República, Dilma Rousseff, mas recomenda: "cautela". Numa conversa exclusiva de uma hora com o Terra no Palácio do Planalto, Lula, provocado, esmiúça o que pensa da mídia e sobre a mídia. Diz que, de alguma forma, o país tem, terá que discutir e legislar - no Congresso, ele ressalva - sobre o assunto. Para definir como percebe o olhar da chamada grande mídia, Lula resume:
-Eles têm preconceito, até ódio...

 A ênfase, a contundência no julgamento e comentários quando o tema é este, mídia, são permeadas por gestos e palavras que mostram um presidente da República disposto e pronto para o próximo comício. Bem humorado, carregado de adrenalina. Antes do início da entrevista, Lula quer conversar, diluir ansiedades e tensões.
"Baby...", diz a um jornalista, "pô, que gravador é esse, não tinha um digital?", provoca outro. Segura a gravata de um terceiro, parece admirar o tecido, os desenhos, e opina:
-Mas essa gravata... esses desenhos parecem uma ameba!
O presidente da República faz as honras da casa, pede que se sirva um cafezinho, uma água antes de, atraído para o tema, partir para o ataque:
- Na campanha passada, os caras diziam porque o avião do Lula... porque o Aerolula... (Estavam) disseminando umas bobagens... vai despolitizando a sociedade. Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores...
Para Lula, críticas à falta de liberdade na área de comunicação, mais do que injustas, não têm sentido. Ele diz duvidar que outros países tenham mais liberdade de informação do que o Brasil:
-Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação? Eu duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui. Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo.
O presidente se mostra disposto a um duro embate com setores da mídia: - A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais.
"No Brasil - foi o Cláudio Lembo que disse isso para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada", cobra Lula.
O presidente sinaliza que mudanças nessa área deverão ser discutidas no Congresso Nacional e poderão ser viabilizadas no próximo governo:
-O Brasil, independentemente de que de quem esteja na Presidência da República, vai ter que estabelecer o novo marco regulatório de telecomunicações desse País. Redefinir o papel da telecomunicação. E as pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável.
Terra - Presidente, em 1978 o senhor era um líder operário, estava na Bahia em um encontro de petroleiros, no Hotel da Bahia, eu era um estudante de comunicação, ainda tinha AI-5, censura à imprensa. Na década seguinte, nos anos 80 e 90, em inúmeras conversas com o senhor o assunto acabava de alguma forma passando pelo monopólio na mídia. No ano 2002, na véspera da eleição, de novo conversamos sobre isso. Em 2006, a uma semana do senhor ser reeleito presidente, numa conversa o senhor disse que não iria "tirar nada" de ninguém, que isso não seria democrático, mas que a ideia era redistribuir meios, ajudar os meios, ter uma maior diversidade de opinião. Chegando agora, nesta reta final (em 2010) o senhor tem feito críticas duras, dizendo que a imprensa, a mídia tem um candidato e não tem coragem de assumir e, ao mesmo tempo, o contraditório diz que existiria um Projeto Político, projeto vocalizado outro dia pelo José Dirceu, para "enquadrar meios de comunicação". Então, queria que o senhor dissesse o que o senhor realmente pensa disso, e se realmente existe uma expectativa, se existe alguma coisa em relação a isso...
Luiz Inácio Lula da Silva - Olha, primeiro, na nossa passagem pela Terra... não pelo Terra, pela Terra, a gente ouve coisas absurdas, que a gente gosta e que a gente não gosta. Veja, qualquer coisa nesse País tem o direito de me acusar de qualquer coisa. É livre. Aliás, foi o PT que, no congresso de São Bernardo do Campo, decidiu que era proibido proibir. Era esse o slogan do PT no congresso de 1981.
Terra - O Caetano vai dizer que é dele...
O que acontece muitas vezes é que uma crítica que você recebe é tida como democrática e uma crítica que você faz é tida como antidemocrática. Ou seja, como se determinados setores da imprensa estivessem acima de Deus e ninguém pudesse ser criticado. Escreveu está dito, acabou e é sagrado, como se fosse a Bíblia sagrada. Não é verdade. A posição de um presidente é tomada como ser humano, jornalista escreve como ser humano, juiz julga como ser humano. Ou seja, temos um padrão de comportamento e julgamento e, portanto, todos nós estamos à mercê da crítica. No Brasil - , e foi o Cláudio Lembo que disse para o Portal Terra -, a imprensa brasileira deveria assumir categoricamente que ela tem um candidato e tem um partido, que falasse. Seria mais simples, seria mais fácil. O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada. Muitas vezes fica explícita no comportamento que eles têm candidato e gostariam que o candidato fosse outro. Tiveram assim em outros momentos. Acho que seria mais lógico, mais explícito. Mas, eles preferem fingir que não têm lado e fazem críticas a todas as pessoas que criticam determinados comportamentos e determinadas matérias.
Terra - Então, não existiria nenhum projeto futuro...
Se existir uma idéia, ela será discutida pelo próximo governo. Pelos próximos governos. Ela será decidida pelo Congresso Nacional , porque é impossível você imaginar fazer uma coisa que discuta comunicação se você não passar pelo Congresso. Quando nós tomamos a decisão de fazer a Conferência da Comunicação - nós já fizemos conferências de tudo que você possa imaginar, até de segurança pública -, quando fizemos a Conferência de Comunicação, alguns setores das comunicações participaram, algumas tevês participaram, algumas empresas telefônicas participaram e muitos jornais participaram. Ela foi feita a nível municipal, a nível estadual e nível nacional. Determinados setores da imprensa não quiseram participar e começaram a achar que aquilo era antidemocrático, que aquilo era não sei das contas. Eu não sei qual é a preocupação que as pessoas têm de a sociedade discutir comunicação. Uma legislação que está regulamentada em 1962. Portanto, não tem nada a ver com a realidade que nós temos hoje, com os meios de comunicação que nós temos hoje. Com a agilidade da internet, por exemplo. Então, o que nós achamos é que o Brasil, independentemente de quem esteja na Presidência da República, vai ter que estabelecer o novo marco regulatório de telecomunicações desse País. Redefinir o papel da telecomunicação. E as pessoas, ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável. Ninguém tinha a dimensão há 15 anos atrás do que seria a internet hoje. Ninguém tinha. Ninguém tem a dimensão ainda do que pode ser a TV digital. E a pluralidade que ela pode permitir de utilização dos canais de televisão. Então, discutir isso é uma necessidade da nação brasileira. Uma necessidade dos empresários, dos especialistas, dos jornalistas, ou seja de todo o mundo para ver se a gente se coloca de acordo com o que nós queremos de telecomunicações para o futuro do País.
Terra - Como essa discussão quase sempre se dá em meio a campanha, a gente não tem a oportunidade de falar assim tão claramente. O que mais incomoda o senhor: é a cobertura (ser) crítica de um lado e não existir a investigação sobre os demais candidatos? Seria isso?
Não, não. Veja, Bob você me conhece há muito tempo e sabe o que eu tenho afirmado. Só existe uma possibilidade no meu governo de alguém não ser investigado. É não cometer erro. Se cometer erro, tem de ser investigado. Isso vale para todo mundo. Agora, eu acho que a imprensa presta um papel importante.
Terra - O senhor está dizendo que ela é desequilibrada? Só está cobrindo um lado e não está cobrindo...
É que eu acho que a imprensa está cumprindo um papel importante quando ela denuncia. Por que? Ou você sabe porque alguém denunciou, ou você sabe porque alguém cobriu ou você sabe porque saiu na imprensa. Quando sai alguma coisa na imprensa você vai atrás. Você vai, então, apurar. De tudo aquilo que é uma feijoada, o que é feijão, o que é carne, o que é costela, o que é carne seca. Você vai separar as coisas para saber o peso de cada uma. E é exatamente o que a gente faz nesse governo. Ou seja, eu vou te dar um exemplo, sem citar jornal. Na campanha passada, os caras diziam, "porque o avião do Lula...", porque o Aerolula... Passando para a sociedade, disseminando umas bobagens, vai despolitizando a sociedade. Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores. Agora, uma TV para um presidente que está terminando o mandato daqui a três meses, é a TV Lula. Ou seja, esse carregamento de...composto de ...de muita ...de muita, eu diria, de muito preconceito ou de muita até, eu diria até, às vezes, ódio, demonstra o que? O velho Frias (Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, falecido em abril de 2007) me dizia: "Lula, o pessoal do andar de cima não vai permitir você subir lá...". Quem me dizia isso era o velho Frias repetidas vezes: "Lula, cuidado, o pessoal do andar de cima não vai permitir você chegar naquele andar...". Sabe? Então, o pessoal se comporta como se o pessoal da Senzala tivesse chegando à Casa Grande. E ficam transmitindo uma coisa absurda. Nesse momento do Brasil, falar em falta de liberdade de comunicação....? Nesse momento do Brasil! Eu duvido, duvido. Eu quero até que vocês coloquem em negrito isso aqui: Eu duvido que exista um país na face da Terra com mais liberdade de comunicação do que neste País, da parte do governo. Agora, a verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é essa. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais...
Terra - Nos municípios, isto tem uma capilaridade: o chefe político tal...
Então, muita gente não gostou quando, no governo, nós pegamos o dinheiro da publicidade e dividimos para o Brasil inteiro. Hoje, o jornalzinho do interior recebe uma parcela da publicidade do governo. Nós fazemos propaganda regional e a televisão regional recebe um pouco de dinheiro do governo. Quando nós distribuímos o dinheiro da cultura, por que só o eixo Rio-São Paulo e não Roraima, e não o Amazonas, e não o Pernambuco, e não o Ceará receber um pouquinho? Então, os homens da Casa Grande não gostam que isso aconteça.
Terra - A propósito de "Casa Grande", sociologia etc..., na semana passada um importante sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, evocou Mussolini ao se referir ao senhor como chefe de uma facção. Chegando ao final desses 16 anos (governos FHC e Lula), o senhor acha que ainda existe...
Eu acho que, sinceramente, as pessoas deveriam olhar para o Brasil e olhar para os outros países. E todo o mundo deveria agradecer a Deus o Brasil ser do jeito que ele é, o Brasil ter o governo que ele tem e ter o povo que tem. Eu lembro que o João Roberto Marinho, quando voltou da eleição do México passada, numa conversa que teve comigo falou: "Ô presidente, eu estava no México e foi de lá que eu aprendi a valorizar a democracia no Brasil. Porque, aqui no Brasil, todo mundo acata o resultado. Lá no México, eu vi um milhão de pessoas na rua contra o resultado eleitoral". Ou seja, aqui no Brasil nós não corremos esse risco. Porque esse País tem um outro jeito de exercitar a democracia. E a democracia ela só será exercitada - vocês estão lembrados que eu dizia quando era líder sindical ainda -, democracia não é o povo ter o direito de gritar que está com fome, democracia é o povo ter direito de comer. Nós estamos chegando lá, estamos chegando lá, então as pessoas, sabe, que talvez tenham problemas ideológicos, problemas de preconceito, ou seja, que não admite que...meus queridos, vejam o que vai acontecer amanhã, sexta-feira; a Bovespa, que tinha ódio de mim, e quando tinha medo de mim ela tinha apenas 11 mil pontos, hoje já chegou a 72 (mil pontos), já chegou a 68 (mil pontos). Ou seja, acima dos 60 mil pontos. E vai exatamente um presidente da República, que tanta gente tinha medo, fazer a maior capitalização da história da humanidade. Ouso dizer: nunca antes na história do planeta Terra houve uma capitalização da magnitude do que vai acontecer na sexta-feira, sabe, com a minha presença.
Terra - E isso lhe dá um prazer especial?
Me dá. Me dá um prazer especial porque é um sucesso do Brasil, é um sucesso da Petrobrás, é um sucesso do investimento em tecnologia, é um sucesso de acreditar neste País. Mas na verdade é o sucesso da ascensão do Brasil no mundo. Ou seja, quem acompanha a imprensa internacional percebe que hoje nós ocupamos na imprensa internacional num mês aquilo que a gente não ocupava em três décadas, há pouco tempo atrás. Porque no Brasil, as pessoas precisam aprender uma coisa: ninguém respeita quem não se respeita. E muita gente do Brasil costumava chegar nos Estados Unidos ou na Europa de cabeça baixa, se achando um ser inferior.
Terra - Tirava o sapato...
É. Eu, quando eu tomei posse, disse para os meus meninos: se alguém tirar o sapato, se eu souber, porque também não vou, não estou com eles, mas também se chegar lá para tirar o sapato é melhor vir embora. Porque eu mando embora. A única coisa que eu acho que vai acontecer lá é o seguinte: o Brasil vai sair mais honrado deste processo, o Brasil vai sair mais forte e não vai ser o Lula que vai ganhar, o Lula está fora disso em dezembro, meu filho.
Terra - O senhor está se referindo a isso por causa da pergunta, Mussolini...?
É, por causa disso, ou seja, eles confundem populismo com popular. Eles não sabem o que é popular porque eles nunca tiveram perto do povo. Essa gente, essa gente que não gosta de mim, na época das eleições até sorri pros pobres, até fazem promessa pros pobres, mas depois das eleições... o pobre passa perto deles um quilômetro. Então, sabe, isso é uma confusão maluca entre o populismo e o popular. O que é o populismo? É um cara, sabe, que não tem nada a ver com ninguém e aparece fazendo promessas, aparece fazendo política demagógica. Não é o nosso caso. Todas as políticas minhas são decididas, Bob... Já foram 72 conferências nacionais, conferências que começam lá no município, vai para o Estado e vem pra cá. Algumas conferências participaram 300 mil pessoas até chegar na conferência nacional. E aí nos decidimos as políticas públicas. Então eles...obviamente eu acho que tem muita gente incomodada e eu não tenho culpa, eu não tenho culpa. Sabe, tirar deles incomodou muita gente no Brasil. A Coroa Portuguesa durante muito tempo ficou incomodada por conta daqueles que diziam que era preciso mudar. Ficaram incomodados até com Dom Pedro quando ele quis mudar. Por que não ficar comigo?
Terra - O Brasil mudou e eu faço a seguinte pergunta, quer dizer, a política brasileira mudou? O senhor antigamente falava muito em reforma política, que era uma das bandeiras e hoje a gente vê os partidos enfraquecidos. Como o senhor avalia hoje a política, a necessidade da reforma política e um adendo: em uma viagem ao Pará, nas vésperas da eleição passada, em um vôo o senhor disse na entrevista que uma das suas primeiras medidas que o senhor tentaria seria a reforma política. Por quê não saiu? Por que é tão difícil de fazer?
Porque a reforma política não é uma coisa do presidente da República. A reforma política é uma coisa dos partidos políticos. E do jeito que os partidos se comportam parece que a gente tem um monte de partidos , todos criticando, sabe, a legislação que regulamenta a política no Brasil. Todo mundo quer uma reforma política, mas ninguém mexe. Porque desagrada a muita gente. Então, veja, eu mandei duas propostas de reforma, de coisas que precisariam mudar para poder melhorar a política brasileira e que não foi votado. Nós mandamos, por exemplo, a regulamentação do financiamento de campanha, para acabar com o financiamento privado e ficar com financiamento público, que na minha opinião é a forma mais honesta de se fazer campanha neste País, a fidelidade partidária... porque o que é o ideal? É você ter partido forte para você negociar com partido. Isso faz parte da democracia. Quando você faz coalizão com partido político você estabelece regras nesta coalizão, você partilha um poder com essa coalizão. Agora, do jeito que está é quase que impossível, porque a direção dos partidos não representa mais os partidos. O líder da bancada não representa mais a bancada, ou seja se criou grupos de deputados, grupos por região, grupos...ou seja, e está muito difícil para eles próprios...então, o que eu acho? Quando eu deixar a presidência, eu quero, primeiro dentro do PT, convencer o PT da necessidade de fazer uma reforma política, convencer os partidos da base aliada do governo da necessidade de se fazer uma reforma política neste País pra que a gente não fique com legenda de aluguel, como nós temos agora.
Terra - Na semana passada, o Lembo disse até naquela entrevista, primeiro que a oposição vai estar em frangalhos nas urnas e ele é do DEM, e que na verdade não vão existir praticamente partidos, só o movimento social e que seria liderado pelo senhor. O senhor concorda?
Eu não concordo porque eu não sou líder do movimento social, eu sou um dirigente partidário. O movimento social tem suas lideranças próprias. Agora, eu acho que...eu não concordo com o Lembo que não tenha partido político, o PT é um grande partido político. Nas pesquisas da opinião pública, o PT aparece com 30% de preferência em qualquer pesquisa que se faça. Demonstração de que isso é um partido, sabe, como poucas vezes no mundo você teve um partido assim, você teve um PRI, um partido comunista mexicano que era extremamente forte e aí sim era populismo, você tinha um partido comunista italiano que tinha 30% dos votos e que era um baita de um partido na Itália, embora nunca tenha chegado no poder, você tinha a social democracia que revezava o poder em uma parte da Europa, os socialistas franceses que revezavam. E você tem no Brasil o PT que é um partido organizado nacionalmente e muito forte. Agora, eu acho que as reformas, elas se darão por dentro dos partidos políticos, dentro do Congresso Nacional. E ela se dará porque nós não precisamos ter uma legenda que aluga na época da eleição, que tem horário de televisão...
Terra - Tiririca é um símbolo disso?
Veja, eu acho...eu não sou contra...
Terra - Como representação, não é demonizando...
Ele tem um partido, ele pode ser filiado no partido como qualquer outra pessoa. Deixa eu lhe falar... o Tiririca é um cidadão que representa uma parcela da sociedade brasileira.
Terra - Mas um voto de protesto...
Eu não sei se é voto de protesto, ele pode surpreender, sabe...eu acho legal o Romário estar entrando na política, acho legal o Bebeto estar entrando na política, o Marcelinho...porque, veja, a política antigamente o que era? Antigamente a política era advogado, professor, funcionário público e empresário. Ora, se você tem jogador de futebol, você tem movimento indígena, você tem...todo mundo tem que se apresentar e o Congresso estará melhor representado . Se eles trabalharem corretamente, serão valorizados. Se as pessoas não trabalharem corretamente, no próximo mandato cairão fora como já provou a história da humanidade e aqui neste País. Então, eu estou tranquilo com relação à necessidade da reforma política, ou seja, a cada dia uma pessoa só cria um partido político. Agora, na época da eleição você precisa normatizar quem é que participa do que, porque quando nós fomos criados em 80 nós tínhamos que legalizar o partido em 15 Estados e dentro de cada Estado em 20% dos municípios. Era um trabalho imenso e ter 3% de voto, sabe, para governo em 82. Não foi fácil chegar e nós fizemos. Então é preciso criar parâmetros para as pessoas organizarem. Você não pode, ou seja, você não tem um partido político, daqui a pouco os deputados são eleitos por um partido tal, antes de tomar posse, já mudaram de partido. Ou seja, você fez uma negociação com o partido que tinha 20 deputados, daqui a pouco esse partido tem 10 e a negociação está feita. Como é que fica?
Terra - Presidente, que PT é esse que neste momento da política brasileira sairá das urnas? E, segunda pergunta, onde o PT, que teve momentos de altos e baixos acentuados durante o seu mandato, onde acertou e onde errou?
Primeiro, o PT tem pouca ingerência no governo, sabe. Quando você ganha um governo, você governa, e na minha o partido tem até liberdade de em vários momentos não concordar com o governo e até fazer oposição ao governo, criticar o governo, sabe? Nós perdemos muita gente que foi do PT porque não concordou com a reforma da previdência do setor público que nós começamos a fazer em 2003. Isso faz parte também da história política do mundo inteiro. Foi assim no partido socialista francês, no alemão, no sueco, no partido democrata americano, acontece em todos os partidos políticos. Eu acho que o PT deu uma ajuda muito grande agora quando aceitou a indicação da ministra Dilma como presidente, ou seja, havia quem dissesse que o PT queria criar caso, que o PT queria uma liderança histórica, alguém com mais vínculo, e o PT aceitou tranquilamente a Dilma e eu acho que PT tomou a decisão madura e coerente, sabendo a minha relação com o PT e o peso do governo na decisão do processo eleitoral. Eu acho que foi uma decisão madura e, obviamente que, muitas vezes aceitando aquilo que a gente fazia no governo. Porque, qual é o problema do governo? Quando você chega no governo, você não participa mais da decisão de um partido. Eu, faz oito anos, sete anos, que eu não vou numa reunião do partido. Porque eu tomei como decisão de que, ao ser eleito presidente da República, eu não poderia governar para o PT, eu não poderia enxergar o mundo apenas pelo PT, eu tenho que enxergar o mundo pela pluralidade da política brasileira e da sociedade brasileira. Então, eu estabeleci uma forte relação com os trabalhadores, é verdade. Mas estabeleci também uma forte relação com os empresários, estabeleci uma relação muito forte com os setores médios da sociedade, porque é isso que é a sociedade brasileira. Ela não é apenas, sabe, vermelha ou azul ou verde. Ela é muito mais colorida do que tudo isso e o presidente da República tem que ficar com uma espécie de magistrado. Agora, quando chega época de eleição não é possível o presidente da República ficar como magistrado porque eu tenho um lado. Eu tenho um partido e tenho candidato.
Terra - O senhor tem sido muito cobrado por estar interferindo na eleição....
Deveria ser, deveria ser cobrado quem perdeu. Quem não conseguiu fazer o sucessor, porque o sucessor é uma das prioridades de qualquer governo para dar continuidade a um programa que você acredita que vai acontecer. Imagina se entra no Brasil para governar alguém que resolve querer voltar e privatizar a Petrobrás? (pausa) Onde vai o pré-sal? Ou alguém que resolva não mudar a lei e permitir que a lei do petróleo continue a mesma? A gente sabendo...o contrato de risco é quando a gente corre riscos. Mas quando a gente sabe onde tá bichinho do ouro preto, por que a gente vai fazer contrato de risco? Então, nós temos que se apoderar desta riqueza a bem do povo brasileiro, é um patrimônio do povo, não é um patrimônio da Petrobrás. Então, nós temos medo de que este País sofra um retrocesso. Por isso que eu tenho candidato. Seria inexplicável para a sociedade se eu entrasse numa redoma de vidro e falasse: olha, aconteça o que acontecer nas eleições, o presidente da República não pode dar palpite. Mas nem para escolher o Papa acontece isso.
Terra - Presidente, essas eleições já estão definidas?
Olha, nunca existe eleição decidida. Eu sempre acho que eleições e mineração a gente só sabe disso depois do resultado. Abriu a urna, agora não tem urna para abrir...
Terra - Mas tem o negócio de identidade (carteira de identidade) que pode complicar...
Olha, teria problema de identidade se você não tivesse elevado 36 milhões de pessoas da classe C. Esse povo agora está comprando, esse povo está entrando na loja, está fazendo crédito esse povo tem documento, fotografia... O que eu acho extremamente importante é que nesse processo eleitoral, a gente precisa primeiro ter muita cautela. Esse é o momento de um time que está ganhando de dois a zero. O adversário está dando botinada, está chutando no peito, está chutando na canela, o juiz não está apitando falta e nós não podemos perder a cabeça, porque o que eles querem é expulsar alguém do nosso time, para a gente ficar em minoria. Então, agora é muita cautela, vamos fazer troca de passes entre nós, vamos fazer a bola correr. Como dizia o Parreira, quando estava dirigindo o Corinthians, nós vamos ficar dominando a bola, ou seja, o tempo que a gente estiver com a bola é o tempo que a gente não toma gol... 



"Erenice jogou fora a chance de ser uma grande funcionária"


O chamado "Caso Erenice" irrompeu na cena da sucessão presidencial há duas semanas e, há uma semana, levou à queda a Chefe da Casa Civil da presidência da República, Erenice Guerra. Pela primeira vez desde então o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz claramente o que pensa acerca do episódio e dos seus desdobramentos. Nesta segunda parte da entrevista exclusiva ao Terra, Lula avança: 

-(...)Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, sabe, cai do cavalo. Porque a pessoa pode me enganar um dia, pode me enganar, sabe, mas a pessoa não engana todo mundo todo tempo. E quando acontece, a pessoa perde.
Além das denúncias de nepotismo por parte da ex-chefe da Casa Civil, um dos filhos de Erenice, Israel Guerra, foi acusado, em reportagem da revista Veja, de participar de um esquema de lobby para favorecer uma empresa aérea em contratos com os Correios. Ainda a respeito do rumoroso assunto, disse Lula:
- O que aconteceu com a Erenice é que ela jogou fora uma chance extraordinária de ser uma grande funcionária pública deste País.
O presidente faz ressalvas, no entanto, quanto à extensão das responsabilidades de Erenice Guerra no episódio. Vale-se, para tanto, de metáfora gastronômica. Lembra que "uma feijoada trem trezentas coisas", e que é preciso saber o que é feijão, o que caldo, o que é carne seca... e por ai afora.
O presidente também aponta a revolução que a internet vem provocando na maneira como as pessoas se informam. E anuncia: "...pode ficar certo de que eu serei um internauta vigoroso a partir de 1° de janeiro".
Sobre José Serra, o adversário de sua candidata na eleição presidencial, o presidente comenta: "está hoje na situação em que eu estive nas duas eleições que perdi". E admite que foi muito difícil ser um candidato contra o Plano Real, em 1994.
Terra - Na prática, falta uma semana... E conseguiram a expulsão da Erenice...
Luiz Inácio Lula da Silva - Não, eles não conseguiram a expulsão da Erenice. Veja, a Erenice saiu porque se ela cometeu um erro, que ainda vai ser investigado...porque, veja, as pessoas, todos nós seres humanos precisamos aprender o seguinte: nós nascemos, crescemos e morremos. Neste período de tempo, a gente tem oportunidade, a gente aproveita ou não aproveita. Tem gente que poderia ser um baita jogador de futebol, eu conheci trezentos que eram "o novo Pelé", nenhum foi. Eu conheci trezentos que iam ser grandes políticos, nenhum foi. Então, as pessoas, na medida em que têm uma oportunidade, as pessoas estão aqui para prestar serviço à sociedade. Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, sabe, cai do cavalo. Porque a pessoa pode me enganar um dia, pode me enganar, sabe, mas a pessoa não engana todo mundo ao mesmo tempo. E quando acontece, a pessoa perde. O que aconteceu com a Erenice é que ela jogou fora uma chance extraordinária de ser uma grande funcionária pública deste País.
Terra - Nesse caso o senhor admite que as denúncias estavam, ao menos em parte, corretas?
Veja, eu sempre admito de que muitas vezes tem coisas que você tem que investigar. Agora, porque eu comecei falando da feijoada? Porque a feijoada tem ingredientes, você quando vai na panela de feijoada, você tem o feijão e tem lá trezentas coisas para escolher. O que eu acho é que toda notícia de denúncia ela vem como se fosse uma feijoada. Depois que você faz um processo de investigação, escolhe o que você quer ali, você vai perceber que a quantidade de coisas, você vai perceber o que é cada um. Tem coisa que tem dimensão séria, tem coisa que é boato, especulação, tem coisa que não tem profundidade. Então, qual é o papel de um presidente da República? Ou seja, na hora que você sabe de uma situação dessa, a primeira coisa que você faz é criar uma sindicância interna, ou seja, a CGU, a Casa Civil começa a investigar e a Polícia Federal abre inquérito. A partir desse momento, o presidente da República fecha a boca, certo? Porque, a partir daí, não pode ter mais nenhuma influência do governo no processo de investigação. Quando tiver resultado de todas as pessoas darem depoimento, aí você então comunica a sociedade o que aconteceu de fato e de direito.
Terra - E as denúncias não vão interferir no resultado eleitoral?
Eu não acredito. Porque tem uma coisa que as pessoas precisam começar a aprender. Se essas denúncias são manipuladas eleitoralmente porque...
Terra - Ainda que verdadeiras?
O povo percebe. Mesmo aquilo que seja verdadeiro, o povo percebe. Agora, o povo aprendeu a julgar, isso é uma coisa interessante.
Terra - Por quê mudou, presidente?
Ah, porque o povo tem acesso à informação que ele não tinha antes. Hoje, eu acho que a internet joga um papel extraordinário. Eu digo pelos meus filhos.
Terra - O senhor acessa ou acompanha ali?
Não, mas pode ficar certo de que eu serei um internauta vigoroso a partir do dia 1º de janeiro.
Terra - O senhor vai acessar até o Twitter?
Eu não sei. Eu acho que o Twitter é uma escravização. Tem gente que acorda duas horas da manhã para ficar tuitando. Tem gente que levanta para falar: ai, acordei, perdi o sono. O que eu tenho a ver com isso? Vai dormir, pô!
Terra - Mas tem ministro seu que tuita...
Ah, eu dou bronca em ministro, porque às vezes você está em um comício, o cara está tuitando lá, o cara nem prestou atenção, já pensou jogador de bola se estiver tuitando e a bola passar do lado dele... (risos) Acho um absurdo, acho uma escravização. Mas deixa eu contar uma coisa para vocês... Acho que as pessoas não estão entendendo ainda o que aconteceu na comunicação nesse País. Lá em casa, ninguém compra mais jornal. Em casa, a molecada toda lê o que tiver que ler na internet, em tempo real, sem ter que esperar: "ah, vamos ver o que vai acontecer amanhã ou depois de amanhã". São 68 milhões de brasileiros que acessam a internet. Um quarto das residências brasileiras que já tem computador. A tendência natural é isso crescendo de uma forma tão rápida, que daqui a pouco serão 150 milhões brasileiros... é por isso que o governo se interessou tanto na questão da banda larga. Porque você sabe que no Brasil é assim... todo mundo fala que vai resolver o problema, mas todo mundo só quer cuidar daquilo que tem rentabilidade. Então vamos fazer as coisas no Rio de Janeiro, vamos fazer em São Paulo, nas capitais, cidades grandes, mas quando vai se afastando e não tem rentabilidade, as pessoas não querem. Por exemplo, veja se não fosse o programa Luz Para Todos... ele está custando ao governo federal talvez o investimento de quase R$ 14 bilhões. Que governo doido iria fazer um programa Luz Para Todos se não fosse o meu? Quem das pessoas que governaram esse País estavam preocupadas em levar luz para uma aldeia indígena? Então, nós fizemos um investimento, que é o seguinte: nós já colocamos mais de 1,1 milhão km de fio neste País. Já colocamos 6 milhões de postes neste País. Já colocamos mais de um milhão de transformadores. Às vezes uma ligação custa R$ 10 mil, mesmo assim... muita gente diria: "Lula, você é louco. Gastar R$ 10 mil para atender um cara que está lá não sei onde!". Esse "cara" é tão brasileiro quanto quem mora em Copacabana ou mora na avenida Paulista. Ele tem direitos. E se a iniciativa privada não faz porque não é rentável, o governo tem de fazer. Então, esse "cara" vai ter internet. Daqui a pouco a gente vai ter numa tribo indígena de qualquer lugar deste País um cidadão (bate na mesa simulando um teclado de computador) navegando. Sabe? Vendo o portal Terra...
Terra - Mas índio não vai tuitar às duas horas da manhã...
Pode! Pode tuitar, vai que ele perde o sono! (risos).
Então, essa é uma revolução que eu acho extraordinária. Acho um bem muito importante que nós não fiquemos dependendo apenas de um. Triste era o tempo que o Brasil só tinha um canal de televisão. Triste era o tempo que o Brasil só tinha uma grande rádio. Triste era o tempo que nós tínhamos dois ou três jornais. Hoje você percebe que os grandes jornais do País não são aqueles que acham que são grandes. São os populares que existem em vários lugares. Os jornais a R$ 0,50, jornais a R$ 1, jornais de graça, jornais de Metrô... sabe? Por quê? Porque antigamente até a publicidade brasileira era feita apenas para 35%, 40% dos consumidores! Agora entrou uma gama de gente no mercado de consumo que todo mundo quer atingir essas pessoas! E aí, eu penso que uma coisa é o cidadão passar na banca, ver uma manchete e ir embora trabalhar. Outra coisa é o cidadão saber o seguinte: eu posso tirar R$ 0,50 do meu bolso e comprar um jornal ou eu posso acessar a internet e qualquer portal e ter minhas informações.
Terra - Esse crescimento me leva a um outro assunto. Todas as grandes cidades do Brasil estão estranguladas. Todas. Você chega e nem entra. Porque teve acesso à classe C, porque tem apartamento sendo vendido e comprado, porque tem muito automóvel (sendo comprado) e aí entra a Copa 2014. Não será uma pena que essas obras de infraestrutura que poderiam ou poderão ser extremamente úteis para essa nova fase do País, que isso não seja levado em consideração?
Estarão todas prontas...
Terra - Mas que não se leve em consideração que essas cidades aproveitem a oportunidade de desestrangular...
Deixa eu dizer uma coisa... Primeiro, nós temos que ter em conta o seguinte: a geração que está governando o Brasil nesse momento, os prefeitos, os governadores, o presidente da República e as que virão. Nós estaremos fazendo quase que um reparo aos acontecimentos da década de 70 no País, da década de 60. Ou seja, o êxodo rural quando milhões de brasileiros se locomoveram de suas casas e vieram para os grandes centros urbanos. Por conta disso, a irresponsabilidade dos administradores públicos da época que foram permitindo que o povo fosse ocupando espaços inadequados, espaços proibidos, espaços à beira de córregos, nas encostas de morros... e foram se constituindo as grandes favelas e junto com as favelas os grandes problemas. Nós estamos num processo de fazer reparação nisso. Reconstruindo a cidadania a partir das favelas. A primeira tomada de decisão foi acabar com as palafitas, que é o projeto mais degradante de habitação humana. Aí depois urbanização de favela. Eu até gostaria que se vocês pudessem, antes de terminar meu mandato, visitarem comigo o Complexo do Alemão, do Pavão-Pavãozinho, Manguinhos... que vocês vão ver o que é que está acontecendo nesses lugares e no Brasil inteiro. Eu estou falando esses lugares porque aparecem mais na televisão. Estamos fazendo teleférico no Complexo do Alemão, que vai ter seis estações. Cada estação vai ter biblioteca, vai ter escola funcional, delegacia, vai ter internet... Nós vamos levar para o morro a polícia com objetivo de proteger a sociedade, e não entrar de forma inadequada como se fazia sempre. Nós vamos levar cidadania. Quero que vocês vejam o que está acontecendo com as UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) nas favelas, com a geração de emprego, com a geração de oportunidades... e essas coisas a gente só vê se a gente for. Se a gente quiser fazer jornalismo sentado no gabinete e não sair para ver o que está sendo feito no Brasil, nós podemos cometer o erro das pessoas que foram exiladas e voltaram e não deram conta que o Brasil tinha mudado. Ficaram achando que o Brasil era o de 64. É preciso arejar a cabeça para ver o que está acontecendo no Brasil. O povo está feliz, o povo está percebendo que tem futuro. Não sei se isso incomoda algumas pessoas... tem gente que não gostaria que tivesse tudo assim, né? "Tem muita gente bem! Esse governo vai terminar seu mandato com mais de 80% de bom e ótimo e onde que existe isso?" (diz, mudando o tom de voz)
Terra- Sim...
Eu acho normal, não fico com raiva quando o cidadão de classe média, seja no Rio de Janeiro, seja em São Paulo ou em Belo Horizonte, tomando seu uísque com os amigos critica o Bolsa Família de assistencialista. Eu acho normal. Ele dá de gorjeta o Bolsa Família. Agora para uma pessoa que está com fome, R$ 100, meu filho... Quando a gente determina que 30% da alimentação escolar tem de ser comprada no local, o que acontece naquele município? Uma revolução!
Terra - O que você acha da oposição ter criticado o Bolsa Família e agora quer até 13° para o programa?
O problema é o seguinte: essas pessoas que são oposição hoje não estavam habituadas a fazer oposição. Tinha alguns que fizeram muito atrás. Já faz tempo que o Serra fez oposição, foi 1970, porque depois já virou secretário do Planejamento do (Franco) Montoro. Então as pessoas desabituaram a fazer oposição e fazem isso com certo preconceito, com uma certa raiva. Eu antigamente ficava ofendido com o preconceito. Hoje, eu acho que nós já vencemos todos os preconceitos. O PT também errou muito quando era oposição. Nós erramos muito. Se você pegar o projeto da Constituição que nós fizemos era um projeto tão severo, tão rígido (bate na mesa), que nós não conseguiríamos governar. Mas é próprio de quem é oposição.
Terra - Errou no Plano Real...
O Plano Real é uma coisa que nós perdemos uma eleição. Eu tinha quarenta e poucos por cento no mês de março, eu fui caindo, caindo, caindo... e o Fernando Henrique, que talvez não se elegesse deputado federal por São Paulo, começou... Aquilo não foi uma campanha entre dois homens. Aquilo foi campanha entre a estabilização e a moeda e o outro lado. A gente não acertou o discurso como eles não estão acertando agora.
Terra - No que eles estão errando politicamente?
Não posso dizer o que eles estão errando (risos). Não posso dar dica... não vou dizer qual canto que vou chutar o pênalti.
Terra - Qual é a avaliação do senhor sobre o comportamento do Serra?
Eu, para ser muito sincero, poderia dizer para vocês que o Serra está hoje na situação que eu estive nas duas eleições que perdi. O Serra foi candidato contra mim em 2002 quando o povo queria mudança e eu era mudança e ele, situação. Agora, ele quer mudança quando o povo quer continuidade. Então, foram dois momentos muito delicados. A mesma coisa fui eu. Fui candidato contra o Plano Real e era um massacre. Não precisava ninguém falar mal de mim era só a história daquele pãozinho batendo no prato, a história daquele engraxate em Nova York, que o engenheiro era um engraxate... Aquilo não deu resultado porque a gente não conseguiu gerar os empregos que eram necessários. Aí depois quando chegou em 98 eu já sabia qual era o discurso do Fernando Henrique Cardoso: "olha, quem estabilizou, vai gerar emprego". E a gente não tinha como desfazer isso. Se bem que em 94 eles fizeram uma sacanagem comigo. Fizeram uma decisão de não permitir que houvesse imagem externa que era para impedir que eu colocasse as imagens das Caravanas da Cidadania na televisão. Mas, de qualquer forma, eu não lamento. Hoje, para ser muito sincero, agradeço a Deus por ter chegado à presidência quando eu cheguei. Cheguei mais maduro, mais preparado. Cheguei sabendo mais coisas que eu sabia em 1989, em 1994 e 1998. Apesar de ficar lamentando, eu agradeço a Deus. Meus adversários deveriam agradecer a Deus também. Todo dia! Porque eles imaginavam que ia ser um fracasso para eles voltarem e eles estão com bronca do sucesso. Você veja uma coisa... ô gente, quando nós chegamos nesse País, em 2003, o crédito total disponibilizado para 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 190 milhões de habitantes era de R$ 380 bilhões. Hoje, só o Banco do Brasil tem isso. O nosso crédito hoje é R$ 1,6 trilhão. A Caixa Econômica financiava R$ 5 milhões e esse ano vai financiar R$ 70 bilhões ou mais. O Banco do Nordeste emprestou, em 2002, R$ 262 milhões e esse ano vai emprestar quase R$ 30 bilhões. Esse é o País que mudou e que as pessoas precisam compreender e ao invés de ficar triste, ficarem alegres. Quando eu deixar a presidência não ficará um bando de miseráveis como eles largaram para mim, mas ficarão milhões de brasileiros que estão ascendendo na sua vida social, na possibilidade de emprego.
Terra - Então, que América Latina o senhor encontrou e como é que acha que ela está hoje? O que poderia ter avançado nas tarifas, nas moedas?
Primeiro vou contar uma coisa para vocês. Esse é um fato histórico importante para as pessoas aprenderem. Em 1990, eu tinha perdido as eleições para o (Fernando) Collor, mas eu tinha me convencido que nós tínhamos criado uma força política importante no Brasil. E resolvi propor a convocação de uma reunião de toda a esquerda na América Latina. Tinha regiões em que se discutia muito que a única saída era pela via armada, tinha lugares que começavam a discutir mais fortemente a democracia... O dado concreto é que nós fizemos uma reunião em junho de 1990, no Hotel Danúbio, em São Paulo, eu lembro que era Copa do Mundo, era um sucesso, lembro que a única coisa que unia os argentinos era o Maradona. E lembro de países pequenos que tinham 18 organizações de esquerda, que foram para a reunião. Treze, doze, quatorze. E essas pessoas não conversavam entre si. Ali nós começamos a estabelecer um debate sobre a necessidade das pessoas acreditarem que pela via democrática era possível chegar ao poder. Eu era a prova de que era possível chegar ao poder pelas eleições diretas. Nós criamos o Foro de São Paulo. De lá para cá, todos os países da América Latina e América Central, com exceção de Cuba que já tinha seu regime anterior, chegaram ao poder pela via eleitoral. Todos. O mais recente foi El Salvador, que o Mauricio Funes chegou ao poder. O Evo Morales... você quer bem maior para a Bolívia do que um índio ser presidente da República? Antes era eleita gente que nem sequer falava a língua deles! Eram loiros de olhos azuis. De repente, você elege um companheiro como o Evo Morales, que crescem as reservas, cresce o PIB, cresce a distribuição de renda... Por quê? Porque ele tem vínculo com aquele povo e sabe que tem que cuidar da parte mais pobre. Então, eu acho que houve um avanço excepcional na América Latina. Também acho que a rotatividade no poder é importante. Defendo isso porque acho importante a prática democrática. Se vai ser dois mandatos, três mandatos, quatro mandatos, cinco mandatos... Nenhum americano hoje se queixa do (Franklin) Roosevelt ter sido presidente quatro vezes. Ninguém.
Terra - Presidente, quais são as principais barreiras para que a América Latina tenha um papel preponderante como mercado, essa questão que o Mercosul discute muito e não consegue avançar?
Oh, gente! Pelo amor de Deus! Deixa eu falar uma coisa para vocês. O problema hoje é que quem está em crise são os ricos. Nós estamos muito bem aqui na América Latina. Você sabe quanto que a gente tinha de balança comercial com a Argentina? Nove bilhões. Agora a gente chegou a R$ 30 bilhões. O maior parceiro comercial do Brasil hoje não é a Europa, não é os Estados Unidos, é a América Latina como um todo. Então o que acontece, nós fizemos um trabalho de diversificar as relações e a América do Sul está se fortalecendo. Quanto tempo você acha que a França conseguiu chegar ao que é, que a Alemanha chegou ao que é? Nós demos passos importantes. A economia chilena cresce, a Argentina cresce, o Uruguai cresce, o Paraguai cresce... Todo mundo está crescendo.
Terra - O senhor pretende ter um papel formal na América Latina, na América do Sul?
Não, não... Primeiro, essa coisa de líder... ninguém se auto-indica. Quando você é levado ao posto de líder é porque os teus liderados reconhecem força em você. Se eles não reconhecem, não adianta você dizer: "eu sou líder, eu sou líder!". Não existe isso.

Entrevista concedida a Antonio Prada, Bob Fernandes eGilberto Nascimento