sexta-feira, 6 de maio de 2011

Angelina


Angelina,  querida prima e companheira de luta, sinto imensa tristeza pela tua falta. Foste uma mulher lutadora, de fibra e consciente de seu papel em defesa de um mundo melhor. Farás falta em todos os locais onde circulavas: na família, no campo educacional, na defesa dos oprimidos, na militância política, nos momentos alegres que transmitia aos que a rodeavam. Dizem que não existe pessoa perfeita, mas nos momentos em que convivi contigo notei que esta regra não se aplicava a ti. Nenhum defeito vislumbrei. Por isso, lamento que Deus tenha sido exagerado ao levar-te aos 65 anos. Ainda tinhas muito para produzir.

O jantar


                                O jantar na casa de Leda tinha sido marcado há um mês.  Foi um "parto" reunir as amigas mais afinadas para o encontro que ela considerava de aproximação. Afinal, tinham se formado em nutrição fazia dois anos e depois nunca mais se viram. Apenas tinham trocado palavras no Orkut e no Facebook, mas as redes sociais pareciam tão distantes e vazias. Muita gente se metia, pensava.
                               Primeiro chegou Catarina, toda vistosa em um terninho vermelho, com detalhes em branco. Parecia feliz, contrastando com a dona da casa, metida em um jeans e uma blusa branca discreta. Não estava mal vestida, mas andava carente desde a separação de Augusto em agosto do ano passado. Achava-se desleixada, para baixo, mesmo que o emprego em uma rede de restaurante exigisse rigor no vestir.
                               – Que chique estás, Leda. Pareces remoçada – disse a amiga, contrariando com o que pensava de si.
                               – Tu também, amiga. De namorado novo? – perguntou, mesmo sabendo que a resposta seria positiva (o Orkut tinha denunciado Catarina).
                               – É, tu sabes. Hoje, é difícil arranjar um homem legal – concordou a visitante – E tu, sozinha?  
                               – É. Não – respondeu, sem saber definir os papos virtuais – alguns interessantes –  que passara a manter nos últimos meses.
                                Foi salva pela chegava de Valquíria, alegre como sempre e passando o espírito para a maneira de vestir (saia acastanhada e blusa bege, deixando os seios médios à mostra levemente). Era a mesma garota imberbe do tempo de aula. Tanto que trouxe, a tiracolo, um cão da raça yorkshire que, ao seu estilo, não parava de latir.
                                – Gente, apresento o Léo. É o cachorrinho mais gracioso do mundo. Não quis deixá-lo sozinho, mas não se preocupem. Já arranjo um lugar para ele – definiu, sem cumprimentar formalmente as amigas.
                                 Leda não gostava de cachorros dentro de casa, mas não poderia contrariar a amiga. Ofereceu o banheiro da empregada, mas Valquíria rejeitou, com ar de nojo. Tudo que ela queria para o totó era uma cama bem confortável. Conseguiu. Léo foi acomodado no quarto de Lucas, filho mais novo de Leda, que naquela noite fora dormir na casa do pai.
                                 Mal a porta do quarto do cachorro – ou melhor, de Lucas – foi fechada, a campainha tocou. Era Paula, uma morena alta que trabalha numa empresa fornecedora de alimentação. Era o tipo de mulher fadada a desfilar nas passarelas, à moda de Gisele Büdchen. O salto do sapato a agigantava ainda mais.
                                  – Amigas, desculpe o atraso, mas o trânsito estava péssimo. Levei mais de meia hora de casa até aqui – desculpou-se, cumprimentando uma a uma as amigas.
                                  – Nossa, vamos ter desfile hoje ­ – gritou Valquíria, não perdendo tempo para brincar com a altura da colega.
                                   – Menos, menos Valquíria – pediu Leda, já prenunciando um clima de atrito de atrito.
                                   Tudo calmo, coquetéis servidos com canapés, e nada da Susana. É verdade que ela mora em outra cidade, mas poderia ter saído antes.
                                  – Vai ver o marido não a deixou sair – provocou Valquíria, recebendo o sinal positivo de Paula.
                                  Falaram no homem e ouvem uma batida na porta. Era, certamente, a última das amigas. De fato, ela apareceu, mas trazendo junto o marido. Susana quase voltou ao ver os olhos arregalados das colegas.
                                  – Gente, eu posso explicar. Só pude vir porque aceitei que o Juarez viesse junto. É nosso pacto agora; quanto um sai, o outro sai também.
                                  – Mas... – disseram quase que juntas as outras quatro, numa espécie de corrente de concordância. Afinal, era um encontro de mulheres.
                                  – Não se preocupem, ele não ficará conosco. Ele quer ver o jogo de futebol – explicou Susana.
                                  – Mas onde? – perguntou a dona de casa.
                                  – Não tem outro televisor além deste? – retribuiu Susana, olhando para todos os cantos.
                                  ­­– Só o do meu quatro...
                                  – Serve. Ou não queremos ficar sozinhas? – comandou Susana, como se a casa fosse dela.
                                 – Bem, então está. Ele senta na poltrona e nós ficamos aqui – concorda, com certo ar de impaciência, a dona da casa.
                                  E lá foi Juarez, sem emitir qualquer palavra, nem mesmo cumprimento. Estava louco pelo jogo.
                                  Pronto, finalmente ficaram sós as cinco mulheres. O papo poderá rolar solto, as fofocas poderão fluir e os drinques passarem de mão em mão.  
                                  – Mas o que este homem veio fazer aqui? Nunca tinha visto isso – diz a até então quieta Catarina – Eu poderia ter trazido o meu.
                                  – Mas quem disse que tu tens homem – ataca Susana.
                                  – Olha, é melhor que o teu. Pelo menos fala – retribui Catarina.
                                  – Tu cala a boca. Na faculdade, nem falavas com os rapazes – diz, cada vez mais furiosa, Susana.
                                  – E depois me olharam com estranheza quando apareci com o Léo – proclama Valquíria.
                                 – O quê? Tem mais homem aqui. E depois falam do meu. Vocês são umas vagabundas – agride Susana.
                                  – Vagabunda és tu...
                                  – Não, és tu...
                                  – És tu...
                                  Trocaram acusações, insultos, rolaram pelo chão, trocaram tapas, quebraram copos e deixaram sujas de capanés as roupas que tinham aprontado para o encontro de aproximação.
                                  – Vou embora desta casa agora – adiantou-se Catarina, seguida por Valquíria, Paula e Susana. Leda, sentada no chão, não sabia o que fazer. Pensou em deitar no sofá para relaxar quando ouviu barulhos estranhos vindos dos quatros. Foi conferir. No aposento do filho Lucas, o yorkshire de Valquíria latia e corria e para todos os lados, derrubando o que encontrava pela frente.
                                  Leda fechou a porta e foi conferir o outro sinal – ainda mais estranho – que vinha de seu quarto. Abriu e quase caiu de susto ao ver Juarez deitado em sua cama. Pior: dormia, exibindo uma pança saliente e roncava tal como Augusto, seu ex-marido. No televisor, o locutor gritava gol de maneira frenética. A dona da casa fechou as janelas e portas da casa e saiu gritando:
                                – Agora, quem sai deste inferno sou eu.

* Conto produzido em laboratório da disciplina Escrita Criativa, na PUCRS, em  abril de 2011.