segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Foto do dia - via Instituto Humanitas Unisinos (IHU)


Há momentos na vida em que é preferível estar longe. Longe do recife de Donjons, legendário lugar do surfe em Hout Bay, na África do Sul. Jake Kolnik (que sai ileso da aventura!) é conhecido como um dos maiores surfistas de ondas gigantes. Ele participa aqui da Rebel Session, uma competição que dura cem dias, de 15 de julho a 22 de outubro, onde os surfistas, vindos do mundo todo, desafiam as ondas de inverno; Frisson garantido. A melhor performance imortalizada é submetida a um júri de seis profissionais do surfe. Em outubro, o vencedor receberá o cheque de 16 mil dólares.

Foto: Nic Bothma/EPA/MAXPPP

''O Brasil não precisa do capital externo. O capital se faz em casa''. Entrevista especial com Luiz Carlos Bresser-Pereira

 
O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira considera negativa a entrada de capital estrangeiro no Brasil, pois o país não precisa disso e “deveria fazer barreiras a ele de tudo quanto é jeito”, levando em conta o princípio de que “o capital se faz em casa”. Este último conceito ele explica na entrevista que concdeu à IHU On-Line, por telefone.

Para
Bresser-Pereira, “enquanto que o liberalismo foi uma ideologia que surgiu no século XVIII, no meio de classes médias burguesas, que lutavam contra uma oligarquia de militares e de ricos e contra o Estado absoluto, o neoliberalismo é a ideologia dos ricos que, a partir do último quartel do século XX, lutam contra os pobres e as classes médias e contra o estado democrático. Minha avaliação do neoliberalismo é a pior possível”. E defende: “a estatização da dívida é muito injusta para os contribuintes, para os pobres que pagam mais impostos do que os ricos. Mas é uma solução”.

Luiz Carlos Bresser-Pereira
é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da Revista de Economia Política desde 1981.

Em 2010 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Buenos Aires. Foi Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, nos governos Sarney e Fernando Henrique Cardoso. É bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em administração de empresas pela Michigan State University, doutor e livre docente em economia pela Universidade de São Paulo. A maior parte de seus trabalhos está disponível no
website que mantém desde 1996 –

Dentre seus livros publicados citamos
Desenvolvimento e crise no Brasil (São Paulo: Brasiliense, 2004) e Doença holandesa e indústria, (São Paulo: FGV, 2010)

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Em que medida o ajuste fiscal e monetário e a perseguição da meta inflacionária podem contribuir para a estabilização da economia em um contexto de crise globalizada?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– A solução não está nos grandes ajustes, especialmente monetários. O que se discute hoje é se é possível expandir o gasto fiscal e, ao mesmo tempo, resolver o problema do excessivo endividamento público. São duas coisas evidentemente contraditórias. Então, é preciso fazer um aumento das despesas num curto prazo e um aumento da receita no longo prazo, através de um aumento de impostos. Essa é uma solução correta. Estamos nessa crise brutal e a causa principal dela são os desequilíbrios profundos causados pelo neoliberalismo, ou seja, por uma ideologia radicalmente de direita, que propunha o Estado mínimo e a redução dos impostos. E foi feita uma redução sistemática dos impostos em todo o mundo e dos impostos para os ricos. O resultado disso foi que os ricos estão pagando muito menos imposto em proporção da sua renda do que os pobres.

IHU On-Line – Quais as consequências do ajuste fiscal para as políticas públicas sociais?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– No momento, nem a Europa, nem os Estados Unidos podem fazer ajuste fiscal. Eles devem fazer expansão fiscal. Portanto, não tem nenhuma consequência negativa sobre a área social. O que é preciso entender é que, nesses últimos 30 anos, de 1979 – quando Margareth Thatcher se tornou a primeira ministra da Grã-Bretanha - até 2008, com a grande crise financeira global (chamo esse período de “os 30 anos neoliberais do capitalismo”), os neoliberais, ou seja, a direita formada de rentistas – pessoas que vivem de juros, dividendos e aluguéis -, associados com os financistas, conseguiram aumentar substancialmente a sua renda através de todo um sistema especulativo de inovações financeiras, de forma que a renda se concentrou, de maneira brutal, apenas nos 2% mais ricos da população. O resto da sociedade ficou com sua renda estagnada em termos per capita, o que é algo violento.

No entanto, aconteceu algo curioso. Os neoliberais pregaram, durante todo esse tempo, a redução, senão a liquidação, do Estado de bem-estar social, ou seja, dos gastos do Estado com a educação, com saúde, com assistência social e previdência. Porém, essa redução não aconteceu. O que os neoliberais também propunham – e isso aconteceu em parte – é que a proteção “trabalhista” fosse flexibilizada. Mas o Estado de bem-estar social eles não conseguiram tirar, porque o povo não deixou. O povo ainda vota, continuamos na democracia e nas democracias europeias e na americana, quando se queria reduzir o tamanho do Estado, reduzir as despesas com educação e saúde, o povo protestava e não votava nos políticos.


IHU On-Line – Considerando a crise financeira nos EUA e na zona do euro, e o apetite do capital internacional pelo Brasil, qual sua opinião sobre a desvalorização da moeda nacional?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– O que está acontecendo é a valorização, devido principalmente à grande entrada de capital do resto do mundo para o Brasil. E isso é muito ruim para nosso país. Nesses últimos dez anos tenho procurado entender um conceito que aprendi há muito tempo, que é o princípio de que “o capital se faz em casa”. Isso foi dito por um grande economista sueco, chamado Ragnar Nurkse, nos anos 1950, e depois foi dito por um grande político, historiador e jornalista brasileiro, Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, que fez um maravilhoso livro sobre o Japão, cujo título era O capital se faz em casa. Ele mostrava como o Japão havia crescido com sua própria poupança. Eu só não entendia porque essas entradas de capital eram geralmente negativas para os países em desenvolvimento, exatamente o oposto do que dizem as grandes empresas multinacionais, os políticos e economistas dos países ricos.

E foi nessa década que entendi que, quando começa a entrar capital no país, entra-se em déficit de conta corrente; esse déficit é financiado por empréstimos ou investimentos diretos, e esse financiamento do déficit, chamado de poupança externa, deve ser somado à poupança interna. Então, temos um aumento da taxa de investimento. Quando esta taxa aumenta, sobe também a taxa de crescimento do país, o que seria ótimo.


No entanto, não é assim que acontece. Quando se tem um déficit em conta corrente, ele aprecia o câmbio. Com isso, se valoriza a taxa de câmbio e os salários aumentam artificialmente. Em consequência, os trabalhadores das classes médias passam a consumir muito mais mercadorias importadas e turismo. Resultado – a poupança interna dos brasileiros diminui, de forma que a poupança externa, em vez de se somar à interna e causar crescimento, causa apenas mais endividamento e mais consumo de curto prazo. O Brasil não precisa desse capital. Deveria fazer barreiras a ele de tudo quanto é jeito, até conseguir colocar sua taxa de câmbio num nível que torne as empresas competentes brasileiras capazes de competir internacionalmente, o que hoje não acontece.


IHU On-Line – O senhor acredita que a crise financeira global de 2008 também foi a grande crise do neoliberalismo e da teoria econômica ortodoxa?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– A crise representa a crise do capitalismo neoliberal, dessa ideologia liberal radical do plano econômico, ou que eu costumo definir historicamente da seguinte maneira, comparando com o velho liberalismo clássico: enquanto que o liberalismo foi uma ideologia que surgiu no século XVIII, no meio de classes médias burguesas, que lutavam contra uma oligarquia de militares e de ricos e contra o Estado absoluto, o neoliberalismo é a ideologia dos ricos que, a partir do último quartel do século XX, lutam contra os pobres e as classes médias e contra o Estado democrático. Minha avaliação do neoliberalismo é a pior possível.

Que males fez o neoliberalismo? Muitos. Mas um dos maiores é que aumentou enormemente a instabilidade financeira, de forma que as crises financeiras se multiplicaram até chegar a essa imensa crise financeira de 2008, da qual os países ricos até hoje não saíram. E nós saímos mais ou menos. Segundo, este neoliberalismo representou uma desmoralização muito grande, porque significou o elogio do individualismo mais feroz; a tese da “mão invisível”, de
Adam Smith, foi entendida de maneira equivocada, de modo que cada um tem que defender seus interesses porque o mercado garantiria o interesse geral. Uma loucura completa!

A sociedade precisa de cidadãos que defendam seus interesses, mas que também sejam solidários com os outros e defendam o bem comum e o interesse público, que tenham espírito republicano. Isso foi sistematicamente limitado no período neoliberal. Essa ideologia foi um retrocesso e vejo que ela morreu. Mas sempre argumento que o capitalismo é reformável e desde o início do século XX os povos dos países ricos vêm tentando reformar e tornar esse capitalismo melhor.


IHU On-Line – Em que medida a crise bancária de 2008 contribuiu para a crise financeira atual?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– A crise bancária de 2008 é a crise financeira atual. As crises financeiras são de dois tipos. Ou são crises bancárias – típicas de países ricos, onde são os bancos que quebram porque emprestaram demais – ou são de outro tipo, mais típicas de países em desenvolvimento, como o Brasil, que não têm moeda reserva, que são crises de balanço de pagamentos. Ou seja, esses países tomam emprestado – tanto o governo, como as empresas – em moeda estrangeira. E tomam emprestado demais. E aí, num certo momento, os credores, todos felizes, fazendo entrar capital aqui, perdem a confiança no país e suspendem a renovação da dívida. Foi isso que aconteceu em 1998 e depois se repetiu em 2002 aqui no Brasil. Daí temos a quebra do país; um desastre. Então, a crise de 2008 foi financeira e bancária, nos Estados Unidos e depois na Europa.

IHU On-Line – Por que afirma que “a economia real não está ajudando as finanças americanas saírem do buraco, mas definitivamente não justificam nova crise financeira”?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– Surgiu uma expressão de que os Estados Unidos e a economia americana estão ameaçados por um duplo mergulho, no caso, a crise. Houve um mergulho em 2008 e haveria agora uma outra recessão, em 2011 ou 2012. Isso faria com que as ações caíssem fortemente, num clima de crise geral. Eu digo que até é possível que a economia americana entre em recessão. Como ela ainda não saiu da crise e está crescendo muito pouco, caso o crescimento ainda baixar e passar a um índice de 0,5% negativo ao ano, tecnicamente entrará em recessão. Mas isso não justifica entrar numa crise financeira e bancária novamente. Não há razão para isso.

IHU On-Line – Para o cenário financeiro global, a crise do euro impacta mais do que a crise nos EUA?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– A crise do euro é mais perigosa. No caso da crise do euro, é uma crise estrutural e decorreu do fato de que nesses últimos 15 anos a Alemanha aumentou fortemente a produtividade das suas empresas e não aumentou os salários. Enquanto que nos países do sul da Europa a produtividade aumentou menos e esses países continuaram a aumentar salários. Resultado – esses países ficaram caros e os salários ficaram caros em euros. A taxa de câmbio implícita entre eles apreciou na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Irlanda. E as empresas acabam não tendo mais condições de exportar para a Alemanha, para a França ou para a Holanda, enquanto que estes países continuam exportando para os primeiros países, que entraram em déficit e se endividaram, no caso, o setor privado. A forma clássica de sair dessa crise é depreciar a moeda, mas eles não têm moeda para depreciar. E estão numa armadilha. Inicialmente apoiei muito o euro, porque apoio muito a ideia da União Europeia, mas tive que reconhecer que, infelizmente, o euro está criando mais problemas para os europeus do que soluções.  
IHU On-Line – Qual o futuro do euro e do dólar a partir da crise financeira atual?

Luiz Carlos Bresser-Pereira
– O dólar vai continuar por muito tempo ainda a ser a moeda reserva principal do mundo. O euro está com a sua existência ameaçada. Creio que ele vai sobreviver. Para que isso aconteça, é preciso que os alemães e holandeses resolvam investir mais nessa história. Isso significa, por exemplo, criar os euro-bônus, que reduziriam a taxa de juros que Grécia ou Portugal pagam, mas aumentaria a taxa de juros que a Alemanha paga. E a Alemanha não quer isso. Ela quer a vantagem de poder exportar para toda a região do euro sem nenhuma barreira e não quer pagar os custos disso. Ela vai ter que pagar, ou então o euro vai terminar. Deixar que a coisa se resolva simplesmente através de um ajuste fiscal ainda maior nesses países que já estão fazendo ajuste fiscal não vai funcionar.

IHU On-Line – O que pensa sobre a estatização da dívida privada como alternativa para a crise? Quem mais sofre as consequências?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– Essa estatização já aconteceu na Irlanda, onde o setor público devia, antes da crise, 25%. Hoje, deve 100%, porque foi salvar os bancos com o dinheiro público. De modo geral, essa é a tendência a acontecer nos outros países. A estatização da dívida é muito injusta para os contribuintes, para os pobres que pagam mais impostos do que os ricos. Mas é uma solução. Isso pode ser feito em duas etapas: estatiza-se a dívida e depois se deprecia a dívida, através de um processo de quantitative easing, de emissão de moeda, ou se diminui a dívida a partir de um processo de reestruturação.

IHU On-Line – Como caracteriza o tipo de intervenção que o Estado brasileiro tem feito na economia neste cenário de crise?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– Quando houve a crise de 2008, o Banco Central brasileiro agiu muito mal, aumentando a taxa de juros, o que foi um escândalo, uma incompetência absoluta. Mas o Ministério da Fazenda agiu bem e expandiu a despesa pública. Além disso, determinou que o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica Federal aumentassem os seus empréstimos, de forma que isso foi contracíclico e foi muito bom. O Brasil teve crescimento zero em 2009. Teria tido um crescimento maior se o Banco Central não tivesse sido tão incompetente. Amplamente falando, o Brasil não vai bem. As perspectivas do país hoje são muito modestas, porque nesses últimos anos nós apreciamos muito nossa taxa de câmbio e isso está destruindo a indústria brasileira de transformação; estamos nos transformando numa grande fazenda, o que é um absurdo completo e vem acontecendo desde 1992, quando o Brasil se abriu financeiramente e deixou de ter controle sobre a entrada e a saída de capital. A partir de então, deixamos de neutralizar a doença holandesa.

IHU On-Line – É hora de defender um nacionalismo econômico no Brasil?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
– Sempre é. O nacionalismo econômico é a ideologia da formação do Estado-nação. Vivemos num mundo constituído não mais de impérios e colônias, mas de Estados-nação ou países. E o nacionalismo é a ideologia que diz que cada Estado-nação deve tratar de cuidar dos seus interesses, ao mesmo tempo em que nos fóruns internacionais, especialmente das Nações Unidas, eles procuram cooperar entre si. Todos os países ricos são nacionalistas do ponto de vista econômico. Isso significa acreditar que é dever do seu governo defender o trabalho, o conhecimento e o capital nacionais, para depois cooperar com o resto do mundo.

Aqui no Brasil há muitos políticos e grande parte da elite brasileira que acham que não há diferença entre capital nacional e estrangeiro. Isso é dependência. Há uma segunda condição – para ser nacionalista é preciso acreditar que, para executar essa tarefa, é necessário usar a própria cabeça e não seguir conselhos, sugestões e pressões que vêm do exterior. Afinal, os países ricos são nossos concorrentes hoje.

Chove, mas é só hoje. Depois, transformação

Setembro que chove,
mas que seja somente hoje.
No restante, é transformação
O inverno se transforma em primavera,
os casulos se transformam em borboletas,
os botões se transformam em flores,
a cara fechada se transforma em sorriso.