quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O papelão de assessores de imprensa na ditadura

O colega Urariano Motta, pernambucano de Recife, nos brinda com excelente artigo no site Direto da Redação de hoje. O enfoque é o papel  dos jornalistas que se tornarem assessores dos generais de plantão. Vale a pena ler a análise do autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio do marido. Boa leitura!

Do livro “No Planalto, com a imprensa”, cujos dois volumes reúnem entrevistas de secretários de imprensa e porta-vozes de JK até Lula, prefiro ressaltar frases de assessores que serviram à ditadura brasileira. Nas passagens que o eufemismo recomendaria chamar de momentos menos honrosos, são indicadas  ações vis como se fossem coisas bobas, ossos do ofício de experientes assessores,  entre um riso e outro. 
É sintomático do nível geral do jornalismo que ninguém mais se espante com informações graves, como estas cândidas palavras de Carlos Chagas, assessor de Costa e Silva, ao lembrar seus tempos de O Globo:  
“As informações sobre o que podia ser veiculado vinham dele, Roberto Marinho. Mas era esporádico, vinham de vez em quando, porque o Roberto Marinho era daqueles jornalistas antigos que não admitiam notícia política, vamos dizer, elaborada pelo repórter. Ele tinha uma orientação clara: ‘Tem que escrever: fulano de tal disse a O Globo, disse a O Globo, disse a O Globo. Aí, publique tudo o que você quiser, na boca do outro’. Era esperto, não? Para O Globo não ser acusado de nada”
Não há sequer um tímido parêntese ou palidez de itálico para o ato de enfiar palavras não ouvidas na boca de terceiros. Nem mesmo para este comportamento de repórteres, no depoimento de Humberto Barrada, assessor de Geisel:
“... Certa vez, um jornalista de O Estado de São Paulo, havia escrito uma matéria com uma declaração do presidente em uma reunião e veio me mostrar. Eu disse: ‘Não foi isso o que ele falou. O senhor está enganado’. E ele insistiu: ‘Foi, sim’. Então, disse eu: ‘Dê-me o papel e espere aí’. Fui ao gabinete do presidente e lhe mostrei a matéria, e ele corrigiu de próprio punho, a lápis... Corrigido o texto pelo próprio presidente voltei ao jornalista e disse: ‘Pronto, está aqui. Com a letra dele. Está satisfeito?’  ‘Pô, é mesmo, foi ele mesmo quem escreveu’.  ‘Claro!’.”
Ou de Saïd Farhat, antes de ser porta-voz de Figueiredo:
“Fui procurado pelo Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio. Ele disse: ‘O presidente Geisel me autorizou a convidar você para ser presidente da Embratur. Você aceita?”. Eu respondi: ‘Aceito, sim. O que a Embratur faz?’.” Em outro ponto, ele, assim como todos assessores da ditadura, se refere à campanha para a presidência. Mais de uma vez fala “durante a campanha”... Isso para lembrar a circulação do ditador escolhido, eleito com voto de cartas marcadas, no Congresso Nacional. Como a ditadura gostava de parecer democrática.
Ainda que o livro não tenha qualquer espírito investigativo, pois as palavras dos entrevistados são sempre as últimas, e se aceitam sem qualquer contraditório, aqui e ali saltam atos falhos. A primeira coisa que se ressalta é a banalização da ditadura. É como se um golpe de estado, censura, clima de terror, torturas e assassinatos não fossem o preço necessário para o acesso agradável aos ditadores. Um serviço à ditadura que assim é justificado por Carlos Chagas:   
 “...ser Secretário de Imprensa do Presidente era um posto no qual se ficava no foco, importante, um passo adiante na carreira... porque era bom conhecer o outro lado, como é que funciona, porque até então eu só conhecia o lado de cá.. eu iria participar da abertura e ia acabar com o AI-5”.
Ou aqui em Marco Antônio Kraemer, segundo assessor de Figueiredo: “Todos nós queríamos liberdade, tinha que acontecer. E era melhor acontecer, como vou dizer... sob controle. Era melhor do que explodir”.
Mas nada se compara a Alexandre Garcia, que esteve numa posição intermediária entre assessor do assessor e secretário do secretário de imprensa de Figueiredo. Ele assim se dirigiu, em suas primeiras horas de poder,  ao general Rubem Ludwig: “Agora, gostaria de ouvir os seus conselhos de como proceder lá dentro, porque costumo vestir a camisa dos lugares onde trabalho”. Sincero o jornalista, sem dúvida.
Para Alexandre Garcia, enfim, nada é mais honroso que  isto, exibido com orgulho em seu currículo: “Condecorado com a OBE (Ordem do Império Britânico) pela Rainha Elizabeth”.  Salve, Rainha. Por tal honra, John Reed e semelhantes se torcem até hoje de inveja.