terça-feira, 30 de outubro de 2007

Zeca Baleiro contesta 'texto fútil' de Huck

Em resposta a Luciano Huck, o cantor Zeca Baleiro pergunta na edição desta segunda-feira - 29 de outubro – da Folha de S.Paulo: por que um cidadão vem a público mostrar sua revolta com a situação do país, alardeando senso de justiça, só quando é roubado?” E conclui, para elevar o debate: “o problema do mundo é mesmo um só – uma luta de classes cruel e sem fim". Vale a pena ler o artigo na íntegra, já reproduzido também em outros sites e blogs. Afinal, nesta guerra é preciso usar todas as armas.

O rolo do Rolex

Por Zeca Baleiro

No início do mês, o apresentador Luciano Huck escreveu um texto sobre o roubo de seu Rolex. O artigo gerou uma avalanche de cartas ao jornal (Folha de S.Paulo), entre as quais uma escrita por mim. Não me considero um polemista, pelo menos não no sentido espetaculoso da palavra. Temo, por ser público, parecer alguém em busca de autopromoção, algo que abomino. Por outro lado, não arredo pé de uma boa discussão, o que sempre me parece salutar. Por isso resolvi aceitar o convite a expor minha opinião, já distorcida desde então.
Reconheço que minha carta, curta, grossa e escrita num instante emocionado, num impulso, não é um primor de clareza e sabia que corria o risco de interpretações toscas. Mas há momentos em que me parece necessário botar a boca no trombone, nem que seja para não poluir o fígado com rancores inúteis. Como uma provocação.
Foi o que fiz. Foi o que fez Huck, revoltado ao ver lesado seu patrimônio, sentimento, aliás, legítimo. Eu também reclamaria caso roubassem algo comprado com o suor do rosto. Reclamaria na mesa de bar, em família, na roda de amigos. Nunca num jornal.
Esse argumento, apesar de prosaico, é pra mim o xis da questão. Por que um cidadão vem a público mostrar sua revolta com a situação do país, alardeando senso de justiça social, só quando é roubado? Lançando mão de privilégio dado a personalidades, utiliza um espaço de debates políticos e adultos para reclamações pessoais (sim, não fez mais que isso), escorado em argumentos quase infantis, como "sou cidadão, pago meus impostos". Dias depois, Ferréz, um porta-voz da periferia, escreveu texto no mesmo espaço, "romanceando" o ocorrido. Foi acusado de glamourizar o roubo e de fazer apologia do crime.
Antes que me acusem de ressentido ou revanchista, friso que lamento a violência sofrida por Huck. Não tenho nada pessoalmente contra ele, de quem não sei muito. Considero-o um bom profissional, alguém dotado de certa sensibilidade para lidar com o grande público, o que por si só me parece admirável. À distância, sei de sua rápida ascensão na TV. É, portanto, o que os mitificadores gostam de chamar de "vencedor". Alguém que conquista seu espaço à custa de trabalho me parece digno de admiração.
E-mails de leitores que chegaram até mim (os mais brandos me chamavam de "marxista babaca" e "comunista de museu") revelam uma confusão terrível de conceitos (e preconceitos) e idéias mal formuladas (há raras exceções) e me fizeram reafirmar minha triste tese de botequim de que o pensamento do nosso tempo está embotado, e as pessoas, desarticuladas
Vi dois pobres estereótipos serem fortemente reiterados. Os que espinafraram Huck eram "comunistas", "petistas", "fascistas". Os que o apoiavam eram "burgueses", "elite", palavra que desafortunadamente usei em minha carta. Elite é palavra perigosa e, de tão levianamente usada, esquecemos seu real sentido. Recorro ao "Houaiss": "Elite - 1. o que há de mais valorizado e de melhor qualidade, especialmente em um grupo social [este sentido não se aplica à grande maioria dos ricos brasileiros]; 2. minoria que detém o prestígio e o domínio sobre o grupo social [este, sim]".
A surpreendente repercussão do fato revela que a disparidade social é um calo no pé de nossa sociedade, para o qual não parece haver remédio -desfilaram intolerância e ódio à flor da pele, a destacar o espantoso texto de Reinaldo Azevedo, colunista da revista Veja, notório reduto da ultradireita caricata, mas nem por isso menos perigosa. Amparado em uma hipócrita "consciência democrática", propõe vetar o direito à expressão (represália a Ferréz), uma das maiores conquistas do nosso ralo processo democrático.
Não cabendo em si, dispara esta pérola: "Sem ela [a propriedade privada], estaríamos de tacape na mão, puxando as moças pelos cabelos". Confesso que me peguei a imaginar esse sr. de tacape em mãos, lutando por seu lugar à sombra sem o escudo de uma revista fascistóide. Os idiotas devem ter direito à expressão, sim, sr. Reinaldo. Seu texto é prova disso.
Igual direito de expressão foi dado a Huck e Ferréz. Do imbróglio, sobram-me duas parcas conclusões. A exclusão social não justifica a delinqüência ou o pendor ao crime, mas ninguém poderá negar que alguém sem direito à escola, que cresce num cenário de miséria e abandono, está mais vulnerável aos apelos da vida bandida.
Por seu turno, pessoas públicas não são blindadas (seus carros podem ser) e estão sujeitas a roubos, violências ou à desaprovação de leitores, especialmente se cometem textos fúteis sobre questões tão críticas como essa ora em debate.
Por fim, devo dizer que sempre pensei a existência como algo muito mais complexo do que um mero embate entre ricos e pobres, esquerda e direita, conservadores e progressistas, excluídos e privilegiados. O tosco debate em torno do desabafo nervoso de Huck pôs novas pulgas na minha orelha. Ao que parece, desde as priscas eras, o problema do mundo é mesmo um só - uma luta de classes cruel e sem fim.



Vida

"E você aprende que realmente pode suportar...
Que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida...!"

William Shakespeare

Em sete anos, Brasil precisará mostrar condições para ter a Copa do Mundo

O anúncio já esperado foi feito hoje (às12h36min, horário de Brasília). O Brasil, sempre um dos favoritos de cada Copa do Mundo de futebol, desta vez não encontrou adversários. Ao mostrar, de forma protocolar, o nome do Brasil como sede da disputa em 2014, em Zurique, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, deixou claro que as exigências serão as mesmas de outros anos. Ou seja, no período de sete anos, a entidade máxima do futebol analisárá itens como uso da verba disponível, esquema da venda de ingressos, estádios, estrutura para treinamentos, facilidades para a mídia, possibilidade de realização de congressos e eventos, segurança, telecomunicações, transportes e capacidade de acomodação.
Por enquanto, o Brasil é carente em todos os setores e terá que se valer de recursos públicos e privados para ter a Copa do Mundo. Tanto que o mal-humorado presidente da CBF, Ricardo Teixeira, respondeu de forma pouco polida a pergunta de uma repórter sobre a situação da criminalidade no Brasil. Citou situações em outros países e minimizou a do seu próprio. Lula, embora ressaltando que não estará mais no Planalto em 2014 e será apenas torcedor, destacou que o Brasil e o seu povo farão tudo por uma grande festa. "O fato do País ter sido escolhido aumenta a responsabilidade dos governantes. Estou convencido de que o Brasil vai realizar uma Copa extraordinária", disse, antes de fazer brincadeiras com o francês Platini e com os argentinos.
Agora, esperamos que os investidores realmente apareçam e que não hajam obras superfaturadas, como aconteceu recentemente no Pan do Rio.
Na foto da AFP (acima), Lula, Dunga, Romário e Teixeira comemoraram a escolha do Brasil.

Democracia no Grêmio?

Ontem à noite, nas eleições para a presidência do Conselho Deliberativo do Grêmio, muitos conselheiros se enforçaram para demonstrar que o clube vive uma democracia plena, afastando-se da imagem da agremiação fechada de poucos anos atrás. No entanto, as atitudes e depoimentos de alguns gremistas durante o pleito revelou a preferência por antigas práticas feudais. A primeira foi a ameaça do presidente Paulo Odone de renunciar caso o candidato da chapa 3 - Raul Régis de Freitas Lima - ganhasse a eleição para o Conselho.
Durante as transmissões das rádios, um jornalista e conselheiro esbravejou aos microfones sua preferência pelo regime ditatorial. Quando um repórter o entrevistou, ele começou a atacar as demais chapas, dizendo não entender como havia oposição para um presidente que tinha sido campeão da segunda divisão, bicampeão gaúcho, vice da Libertadores e terceiro lugar no Brasileirão (na verdade, está em quinto). O repórter foi direto, dizendo que a existência de disputa é resultado da democracia. "Que democracia! Por causa dela, o país está como está", desdenhou o conselheiro, misturando a eleição do seu clube com a política nacional.
Este é o Grêmio, que tenta ser democrata sem afastar o fantasma de um tempo em que um presidente encerrava o mandato e indicava o outro, sem participação de conselheiros e, muito menos, de associados. Agora, caminha para a eleição direta, como já faz o Internacional há muito tempo. Dará certo?