segunda-feira, 30 de maio de 2011

Fumaça na História

Meios de comunicação de massa no século XX foram os grandes aliados da indústria tabagista na fabricação de uma imagem positiva do cigarro. Publicação interessante do site Café História.

http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/arquivo-cafe-historia-fumaca
 Nos últimos anos, os altos índices de mortes ocasionadas pelo consumo do cigarro vêem levando países do mundo inteiro a endurecerem suas legislações antifumo. No Brasil, por exemplo, desde dezembro de 2000, nenhum meio de comunicação pode exibir propaganda de cigarros e todo maço do produto deve conter imagens fortes alertando para as doenças e para o vício decorrente do fumo. Enquanto isso, nos Estados Unidos, cresce todos os anos o número de pessoas que movem processos judiciais contra a indústria tabagista. Esse cenário de total hostilidade ao cigarro, entretanto, é bastante recente. Durante boa parte do século XX, a indústria cultural e da propaganda fabricaram uma imagem do cigarro e do fumante muito diferente, associando ambos a valores que iam da virilidade ao romantismo.
No século XX, a mensagem das propagandas de cigarro sempre foi muito clara: associava o produto a um estilo de vida glamoroso, rico e, principalmente, moderno. Fumar era o mesmo que desprender-se do conservadorismo, era ter estilo próprio e independência. O discurso, que visava, claro, conquistar o público mais jovem, em pleno processo de construção identitária. Nos filmes, quase todos os protagonistas e bandidos tinham a sua própria maneira de fumar, algo inclusive que os diferenciava. Humphrey Bogart, Paul Henreid, Bete Davis. As maiores estrelas de cada época apareciam em seus filmes fumando. Para o famoso "cinema noir", a fumaça dava inclusive um toque extra de classe.
Historicamente, este tipo de associação consagrou-se após a Segunda Guerra Mundial, quando a televisão e o cinema massificaram a comunicação social. Não fortuitamente, uma das principais marcas de cigarro do mundo levava (e leva ainda hoje) o nome de "Hollywood". Segundo José Benedito Pinho, em seu livro "O Poder das Marcas", o "Hollywood" explorava no início dos anos 1950 as relações entre o seu nome com o universo cinematográfico, através de slogans como “um "um Oscar de qualidade” ou ainda "um Oscar de Sabor". No Brasil, uma propaganda da marca trazia um pianista ensaiando um número musical e um slogan nada inocente que dizia que o cigarro era "uma inspiração".
Pinho, sublinha, porém, que a partir de 1973, a marca adotou uma nova fórmula. Era a época do "Ao sucesso com Hollywood", feito sob medida para englobar jovens, cigarros e esporte. O autor cita o texto publicitário abaixo, vinculado no Brasil, como exemplo desta fórmula:

Hollywood, o cigarro bem como você gosta: no tamanho certo, na embalagem vibrante, com o filtro perfeito, na exata combinação de fumos que dá aquele sabor inconfundível. Acenda seu Hollywood King Size Filtro e vá em frente: no estudo, no trabalho, na competição esportiva. Vá para vencer. Ao sucesso! (Souza Cruz, 1974: 156. Apud, Pinho, 1996: 96)

Na década de 1950, outras marcas de cigarro também conquistaram um forte posicionamento no mercado tabagista. É o caso da “Marlboro”. Os pesquisadores Camila Beaumord e Rafael Bona ajudam a explicar isso aconteceu:

Uma pesquisa de mercado revelou que os habitantes das grandes metrópoles, isto é, os executivos e empresários modernos, tinham saudades da vida no campo, do ambiente rural, da natureza e do espírito de aventura. Assim, a campanha “Tattooed Man” da Leo Burnett utilizou a imagem de velejadores tatuados, atletas, pilotos e, principalmente, caubóis. Rapidamente, as pessoas começaram a acreditar que poderiam ter acesso a esse País Marlboro – o Marlboro Country – onde habitavam os solitários, os corajosos e os livres, em meio a pradarias e canyons. Ainda que se encontrassem presos em uma reunião de trabalho, ou no meio de um grande congestionamento em Nova York, era só comprar um maço da marca para desfrutar de uma estimulante peripécia que é apenas possível no Marlboro Country. O resultado foi positivo. A Marlboro se tornou a marca de cigarro mais vendida em Nova York, com um incremento de 5.000% nas vendas em apenas oito meses de campanha, segundo O Mundo das Marcas (2010). O caubói se tornou o mais popular dos personagens que foi adotado como garoto-propaganda.

domingo, 29 de maio de 2011

Análise de O Travesseiro de Penas, de Horácio Quiroga


                             Jornalista por vocação e acadêmico de história por curiosidade, entrei sem querer no mundo da literatura. Ou melhor, do conto. A possibilidade de fazer Escrita Criativa me assustou no início. Tão diferente da escrita jornalística, o conto foi ganhando aos poucos o meu fascínio. Depois de escrever algumas histórias e ter outras engatilhadas, aceitei o desafio de analisar este O Travesseiro de Penas, do uruguaio Horácio Quiroga, escrito em 1907. Quase um século. Não é fácil, pois se trata de “um soco no estômago”, daqueles em que a gente demora para recuperar-se. É, com certeza, uma narrativa psicológica em que emerge a miséria humana, tão presente no cotidiano de muitas pessoas e famílias. Mas que poucos identificam.
                               No início do conto, Horácio ousa mostrar o caráter psicológico dos dois personagens e a fragilidade do relacionamento, antecipando de forma subliminar o final trágico e o horror da sequência. Não precisou citar os nomes. Ela é loira, angelical e tímida. Ele, de caráter duro. Pronto, é a deixa para a frase inicial: “Sua lua-de-mel foi um grande pesadelo”. De fato, foi. Em princípio, o que poderia desestimular o leitor a continuar a leitura, acaba por cativá-lo. Afinal, quem é este casal?
                             Horácio caracteriza bem seus personagens, os coloca no ambiente, arranca o leitor de seu marasmo habitual. Eu me senti interessado, impressionado, sacudido. Especialmente quando, mais adiante – já citando os nomes do casal (Alícia e Jordán) – diz que ela o amava muito e ele a amava profundamente (mesmo que não demonstrasse).  Tanto “amor” a fez adoecer no intervalo de três meses, morrendo em seguida. A narrativa mostra os efeitos trágicos e de terror do meio ambiente sobre o ser humano. Alícia era frágil e não suportou o casamento com um homem severo e cujo semblante a reprimia.
                              A Alícia caracterizada por Horácio morreu aos poucos, impotente pra reagir. Como se o destino fosse aquele, não havendo nada para mudá-lo. Em muitos momentos, o autor avança o universo feminino como se o conhecesse a fundo. Pode ser! Mas também nota-se que ele produziu uma obra ficcional como quisesse entender a si e o mundo em que vivia. Quem sabe, fazendo vislumbrar uma realidade parecida com a sua.
                            O contista mostra tudo de terrível que possa acontecer a uma pessoa neste conto: insanidade, sofrimento, alucinações, impotência e mistério – afinal, a doença e a morte surgiram do nada. Isso fica claro numa parte do texto: “Os médicos voltaram inutilmente. Havia ali, diante deles, uma vida que se acabava, esvaindo-se dia a dia, sem se saber absolutamente como.” A morte chegava, mas era misteriosamente inexplicável.
                            Fascina no conto a expectativa causada no leitor. Por diversas vezes, imaginei que ele poderia ser concluído, mas Horácio conseguiu, com maestria, estendê-lo sem cansar quem está lendo. A estratégia foi separar noite (sofrimento) e dia (ameniza). No texto, diz: “Durante o dia sua enfermidade não avançava, mas toda a manhã amanhecia lívida... Parecia que unicamente à noite sua vida se ia em novas ondas de sangue”.
                                 Muita gente pode não se sentir atraído por estes momentos de horror, narrados se forma singular. Parece, entretanto, que muitos autores são é atraídos por dois sentimentos que parecem antagônicos: o amor e o medo. Eles caminham junto ao homem. Horácio conseguiu mostrar isso com inegável competência. Em pouco tempo (três meses de casamento de Alícia e Jordán), ele colou amor e medo (com terror) numa mesma história. Trata-se de uma obra digna de mestre.





Tracy Chapman - Baby Can I hold you


Saudade da Tracy! Posto músicas ao manhecer para alegrar a vida de vocês. Se gostarem, aplaudam. Se não gostarem, curtam. Podem achar um segundo de beleza.

sábado, 28 de maio de 2011

Sonhos

Eu semeei meus sonhos onde você está pisando agora. 
Pise suavemente porque você está pisando nos meus sonhos... 
W.B. Yeats

Inter sem futebol e garra

A penúria do Inter me preocupa. Isso ficou evidenciado hoje na derrota contra o Ceará no Beira-Rio. Toques laterais, sem profundidade, time sem espírito de luta, qualidade baixo da média. Onde chegarás colorado com este futebol???

quarta-feira, 25 de maio de 2011

FENAJ prepara nova ofensiva pela votação da PEC do diploma no Senado

Após o requerimento assinado por líderes de dez partidos para que a PEC 33/09 tramite em regime especial no Senado e a convicção de que só depende do presidente da Casa, José Sarney (PMDB/AP), a decisão de por a matéria em votação, a FENAJ e a coordenação da campanha em defesa do diploma preparam mais ações para agilizar a votação da proposta. Além de novos materiais em elaboração, está em marcha a organização de uma manifestação nacional para o dia 17 de junho, quando se completam dois anos da decisão do STF que extinguiu com tal requisito para o exercício da profissão de jornalista.

Respaldado pelos líderes do PT, PCdoB, PSB, PMDB, PP, PDT, PR, PSOL, PMN, e do PRB, o requerimento para que a PEC 33/09 tramite em regime especial foi entregue à Mesa Diretora do Senado na segunda semana de maio. Em função disso, parlamentares, dirigentes sindicais e coordenadores da campanha em defesa do diploma consideram que agora só depende da vontade política do senador José Sarney colocar a matéria em votação.

“Por isso, além do contato permanente com todos os parlamentares nossa orientação é para que os apoiadores do movimento ampliem também o esforço de sensibilização do presidente do Senado” diz Valci Zuculoto, diretora da FENAJ e integrante do Grupo de Trabalho da coordenação da campanha em defesa do diploma. “Além de cobrar sistematicamente a votação e o voto SIM, todos podem colaborar enviando e-mails, telefonando, conversando com os senadores”, completa. A relação dos senadores com seus contatos está disponível aqui.

Além de continuar com a divulgação do abaixo assinado dos cidadãos, o recolhimento de adesões ao Manifesto das Entidades e promoção de outras atividades para dar maior visibilidade ao movimento em defesa do diploma, uma nova camiseta, bottons e adesivos da campanha estão em fase final de produção. “A ideia é ampliar, a partir da próxima semana, a vigília em Brasília que já vem sendo feita por diretores da FENAJ, dos Sindicatos e do GT do diploma, culminando com uma grande manifestação no Congresso Nacional para a semana de 17 de junho”, explica Valci.

Paralelamente aos esforços que vem sendo desenvolvidos no Congresso Nacional para fortalecer a campanha, outras iniciativas importantes prosseguem nos estados. No final de abril o deputado estadual Edmilson Rodrigues (PSOL) ingressou com projeto de lei na Assembleia Legislativa do Pará que estabelece a exigência do diploma de curso superior em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, para o exercício da profissão em âmbito da administração pública estadual. Já em Tocantins, no dia 17 de maio, nove deputados estaduais assinaram o manifesto em defesa da exigência do diploma de jornalista para exercício da profissão.

domingo, 22 de maio de 2011

Queen - Love of My Life


Demais esta canção do Queen. Love of My Life cantada por mais de 100 mil pessoas no Wembley, em Londres, em 1986. E com o genial Fred Mercury no comando...
O velho estádio foi derrubado para construção de um novo e Fred virou mito...

Inter não inspira confiança. Falta garra

Coloquemos de lado a nossa paixão pelo Inter, que muitas vezes mascara deficiências letais. Analisemos o jogo sonolento de ontem contra o time reserva do Santos (inclusive o técnico). Um time sem garra, sem luta, desmotivado, dorminhoco... 
Do jeito que está, não atingiremos a meta de ganharmos o Brasileirão depois de três décadas. Não adianta contratar se a filosofia continuar a mesma. Sou adepto da mescla de jogadores corridos com a gurizada da base (estes transformam amor à camiseta em garra), como aconteceu nos anos 70, exatamente quando o técnico Falcão surgiu com seu futebol exuberante, mas de luta. É a nossa chance.

Till Then My Love - Matt Monroe

Uma manhã ensolarada, em Porto Alegre, merece a riqueza de um vídeo como este. Curtam!

O pecado de Palocci

Sem abdicar de minhas convicções ideológicas e partidárias, sou crítico da mistura entre o serviço público e os interesses privados. O ministro Antonio Palocci vive sob tiroteio porque fez exatamente isso. Ex-ministro e deputado federal, ganhou dinheiro dando consultoria graúda para grupos empresariais. E enriqueceu. Não interessa se usou informações privilegiadas para aconselhar clientes.
O fato é que ele utilizou-se da condição de homem público para multiplicar o patrimônio. Não é a primeira vez que isso acontece. Empresas buscam este tipo de pessoa para melhorar suas performances. E grupos empresariais têm, em seus quadros jurídicos, juízes aposentados. Sempre critiquei isso. Não seria agora que mudaria de opinião.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Atchim...

Lindo outono, com sol exuberante e temperatura agradável. Mas as variações de clima ao longo do dia me atingem diretamente. Depois de espirrar dezenas de vezes, saio de casa com nariz pingando e olhos ardendo. É a rinite de outono...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O lado repugnante da disputa

Em momentos de euforia ou tristeza, muitas pessoas colocam para fora raivas, ódios e preconceitos. Nas últimas semanas - e especialmente nesta, com o acirramento do Gre-Nal - vi gente postando ou repassando verdadeiros "atestados" de intransigência e transtorno de caráter. Notei este comportamento entre gremistas e colorados. É lamentável, mas tem um lado bom: não é generalizado.

terça-feira, 17 de maio de 2011

E a lua cheia...

Exuberante, ela chegou ontem.
Abri a janela e a admirei.
Sozinho, espiei a lua cheia.
Sozinha, olhaste a lua cheia.
Será que ela não merece a nossa companhia?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A melhor torcida do Rio Grande


Ocupando um espaço reduzido no Estádio Olímpico, torcida colorada mostrou a mesma garra demonstrada pelo time em campo. Depois, se espalhou por todo o Rio Grande (e Brasil) para comemorar o 40º título gaúcho.

domingo, 15 de maio de 2011

A foto do campeão

Esta alegria contagiou jogadores e torcedores no Olímpico, casa do adversário, e fora dela. É campeão...
O grito da vitória ecoa em todos os cantos deste Brasil. Vamos, Inter. Agora, que venha o Brasileirão.... 

Internacional é campeão gaúcho


O Internacional mostrou que não está morto quem peleia. É campeão gaúcho por mérito porque não desistiu nunca. Eu estava cético e admiti antes do jogo.
Parabéns ao adversário, que também mereceu a vitória. Mas a taça é para um time apenas. 
Somos campeões gaúchos em quarenta oportunidades.
Vou festejar.

Colorado, o campeonato ainda não tem vencedor


Manhã de domingo em Porto Alegre. Entre nesgas de sol e nuvens derramando esporádicos pingos de chuva, saio à rua. Em todos os cantos, vejo azul. Noto euforia tricolor. Colorado, fico constrangido. Não botei nenhuma das minhas camisetas do Inter. Será que entrei na farra gremista antes do jogo, marcado para às 16h? Esqueci que não existe jogo ganho na véspera? Não, colorado eu sou. Acredito!
A história mostra que nem sempre o "favorito" é o vencedor depois dos 90 minutos. Acompanho este negócio chamado futebol desde a década de 70 e já vi muitas reversões. Assim como o sol briga agora com a chuva nos céus porto-alegrenses, também veremos isso à tarde. Ao final da peleia, se vencedor, farei festa. Se perdedor, cumprimentarei os amigos do outro lado. Não posso fazer nada disso agora, quando faltam poucos mais de cinco horas para a bola rolar.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O Travesseiro de Penas - Horacio Quiroga

Ofereço a vocês o pequeno (grande) conto do escritor uruguaio Horário Quiroga, publicado primeiramente em 1907. O Travesseiro de Penas é um dos melhores que já li e traduz os efeitos do ambiente sobre o ser humano. Ele não poupa situações de terror, morte e sofrimento. Com certeza, é um jogo sutil entre a realidade, as desventuras e o macabro. Aproveitem, sofrendo junto ou não.

Sua lua-de-mel foi um longo estremecimento. Loura, angelical e tímida, o temperamento duro do marido gelou suas sonhadas criancices de noiva. Ela o amava muito, no entanto, às vezes, sentia um ligeiro estremecimento quando, voltando à noite juntos pela rua, olhava furtivamente para a alta estatura de Jordão, mudo havia mais de uma hora. Ele, por sua vez, a amava profundamente, sem demonstrá-lo.

Durante três meses — tinham casado no mês de abril — viveram numa felicidade especial.


Sem dúvida ela teria desejado menos severidade nesse rígido céu de amor, mais expansiva e incauta ternura; mas a impassível expressão do seu marido a reprimia sempre.


A casa em que viviam influenciava um pouco nos seus estremecimentos. A brancura do pátio silencioso — frisos, colunas e estátuas de mármore — produzia uma outonal impressão de palácio encantado. Por dentro, o brilho glacial do estuque, sem o mais leve arranhão nas altas paredes, acentuava aquela sensação de frio desagradável. Ao atravessar um quarto para outro, os passos encontravam eco na casa toda, como se um longo abandono tivesse sensibilizado sua ressonância.


Nesse estranho ninho de amor, Alicia passou todo o outono. Porém tinha terminado por abaixar um véu sobre os seus antigos sonhos, e ainda vivia dormida na casa hostil, sem querer pensar em nada até o marido chegar.


Não é incomum que emagrecesse. Teve um ligeiro ataque de gripe que se arrastou insidiosamente dias e mais dias; Alicia não melhorava nunca. Por fim uma tarde pôde sair ao jardim apoiada no braço dele. Olhava indiferente para um e outro lado. De repente Jordão, com profunda ternura, passou a mão pela sua cabeça, e Alicia em seguida se quebrou em soluços, e o abraçou. Chorou demoradamente seu discreto pavor, redobrando o choro diante da menor tentativa de carícia. Depois, os soluços foram-se acalmando, e ainda ficou um longo tempo escondido no seu ombro, quietinha, sem pronunciar uma palavra.


Foi o último dia que Alicia esteve de pé. No dia seguinte amanheceu desacordada. O médico de Jordão a examinou com toda a atenção, recomendando muita calma e repouso absolutos.


— Não sei — disse para Jordão na porta da casa, em voz ainda baixa. — Tem uma grande debilidade que não consigo explicar, e sem vômitos, nada... Se amanhã ela acordar igual a hoje, você me chama depressa.


No dia seguinte ela piorou. Houve consulta. Constatou-se uma anemia agudíssima, completamente inexplicável. Alicia não teve mais desmaios, mas ia visivelmente andando para a morte. Durante o dia todo, o quarto estava com as luzes acesas e em total silêncio. As horas se passavam sem se ouvir o mínimo barulho. Alicia dormitava. Jordão vivia quase que definitivamente na sala, também com as luzes acesas. Andava sem cessar de um extremo para outro, com incansável obstinação. O tapete abafava seus passos. Algumas vezes entrava no quarto e continuava seu mudo vaivém ao longo da cama, olhando para sua mulher cada vez que caminhava na sua direção.


Não demorou muito para Alicia passar a sofrer alucinações, confusas e flutuantes no início, e que desceram depois até o chão. A jovem, de olhos desmesuradamente abertos, não fazia senão olhar para os tapetes que se encontravam a cada lado da cama. Uma noite ela ficou repentinamente com o olhar fixo. Em seguida abriu a boca tentando gritar, e suas narinas e lábios se molharam de suor.


— Jordão! Jordão! — gritou, rígida de espanto, sem parar de olhar o tapete.


Jordão correu para o quarto, e, ao vê-lo aparecer, Alicia deu um brado de horror.


— Sou eu, Alicia, sou eu!


Alicia olhou para ele com olhar extraviado, olhou para o tapete, voltou a olhar para ele, e depois de um longo momento de estupefata confrontação, serenou. Sorriu e pegou entre as suas as mãos do marido, fazendo carícias e tremendo.


Entre suas alucinações mais obstinadas, houve um antropóide, apoiado no tapete sobre os próprios dedos, que mantinha os olhos fixos nela.


Os médicos voltaram inutilmente. Havia ali, diante deles, uma vida que se acabava, dessangrando-se dia após dia, hora após hora, sem se saber absolutamente por quê. Na última consulta, Alicia jazia em estupor, enquanto eles a pulseavam, passando de um para outro o pulso inerte. Observaram-na um longo momento em silêncio e encaminharam-se para a sala.


— Pst... — Deu de ombros, desanimado, seu médico. — É um caso sério... pouco se pode fazer...


— Era só o que me faltava! — gritou Jordão. E tamborilou bruscamente sobre a mesa.


Alicia foi-se extinguindo no seu delírio de anemia, que se fazia mais grave pe!a tarde, mas que cedia sempre nas primeiras horas da manhã. Durante o dia, sua doença não avançava, mas de manhã ela amanhecia lívida, quase em síncope. Parecia que unicamente à noite a sua vida se fosse em novas asas de sangue. Tinha sempre ao acordar a sensação de sentir-se derrubada na cama com um milhão de quilos por cima. A partir do terceiro dia esse desmoronamento não a abandonou mais. Apenas podia mexer a cabeça. Não deixou que pegassem na sua cama, nem sequer que arrumassem a almofada. Seus terrores crepusculares avançaram na forma de monstros que se arrastavam até sua cama e subiam com dificuldade pela colcha.


Perdeu depois o conhecimento. Nos dias finais, delirou sem cessar a meia-voz. As luzes continuavam fúnebres e acesas no quarto e na sala. No silêncio agônico da casa, não se ouvia mais que o delírio monótono que saía da cama, e o rumor abafado dos eternos passos de Jordão.


Alicia morreu, por fim. A empregada, que entrou depois para desfazer a cama, já vazia, olhou um momento com estranheza para a almofada.


— Senhor! — chamou ao Jordão em voz baixa. — Na almofada há manchas que parecem ser de sangue.


Jordão se aproximou rapidamente. Também se agachou. Efetivamente, sobre a fronha, de ambos os lados da cavidade que tinha deixado a cabeça de Alicia, se viam algumas manchinhas escuras.


— Parecem picadas — murmurou a empregada depois de um momento imóvel na observação.


— Aproxime-o da luz - disse Jordão.


A moça levantou a almofada, mas em seguida deixou-a cair, e ficou olhando para ele, lívida e trêmula. Sem saber por quê, Jordão percebeu que seus cabelos se eriçavam.


— O que é que há? — murmurou com voz rouca.


— Pesa muito — falou a empregada, sem parar de tremer.


Jordão levantou a almofada; pesava extraordinariamente. Saíram com ela, e sobre a mesa da sala Jordão cortou a fronha e a capa. As penas superiores voaram, e a empregada deu um grito de horror com a boca inteiramente aberta, levando as mãos crispadas às bandós. Sobre o fundo, entre as penas, mexendo devagar os pés aveludados, havia um animal monstruoso, uma bola viva e viscosa. Estava tão inchada que quase não se lhe via a boca.


Noite após noite, a partir do dia em que Alicia tinha ficado doente, ele tinha aplicado sigilosamente sua boca — sua tromba, melhor dizendo — às têmporas da mulher, chupando-lhe o sangue. A mordida era quase imperceptível. A remoção diária da almofada tinha impedido sem dúvida seu desenvolvimento, mas assim que a jovem não conseguiu mais se mexer, a sucção foi vertiginosa. Em apenas cinco dias e cinco noites, tinha esvaziado Alicia.


Esses parasitos das aves, diminutos no seu meio habitual, chegam a adquirir proporções enormes em certas condições. O sangue humano parece ser para eles particularmente favorável, e não é raro encontrá-los nas almofadas de penas.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Suficiente

Observe meu olhar, sinta minha atenção, valorize minha aproximação...
Então, me abrace e fique em silêncio. É o suficiente!

terça-feira, 10 de maio de 2011

Vamos ao concerto da OSPA

É hoje - 5° Concerto Oficial da OSPA - 20h30min - na Igreja Nossa Senhora das Dores (Rua Riachuelo, 630 - Porto Alegre). Entrada Franca
Obras:
- J.S.Bach – Concerto de Brandenburgo n° 3
- J.S.Bach - Suíte Orquestral n° 1
- W.A. Mozart – Sinfonia n° 40

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Me exercitando novamente

Cinco meses depois da ruptura no menisco, que me obrigou a realizar cirurgia, voltei hoje às atividades físicas normais, como musculação, bicicleta e hidroginástica. Isso é muito bom porque a barriga vai diminuir...

Apresentação gratuita da OSPA

Curtam a excelente programação para amanhã. A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre estará na Igreja Nossa Senhora das Dores (Rua Riachuelo, 630) apresentando obras de dois dos compositores mais importantes e influentes do ocidente – Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Johann Sebastian Bach (1685 - 1750). O 5º Concerto Oficial será regido pelo Diretor Artístico da OSPA, maestro Tiago Flores. O concerto tem início com a execução do Concerto de Bran...denburgo n° 3, um dos mais conhecidos e populares de Bach. Na sequência está a Suíte Orquestral n° 1, a primeira de quatro suítes da carreira do compositor. Apesar da religiosidade presente, as peças estão entre as poucas obras de Bach que não são sacras.

O espetáculo termina com uma das obras mais famosas de Mozart, a Sinfonia nº 40, conhecida como a Grande Sinfonia. Dividida em quatro movimentos, é marcada por grandes contrastes e momentos de instabilidade, numa obra vigorosa em que se percebe a maturidade do compositor. A temporada 2011 da OSPA conta com uma programação bastante abrangente, contemplando um repertório que vai do barroco ao contemporâneo. Para o maestro Tiago Flores, é uma forma de atingir diferentes públicos.
– Nesta apresentação teremos uma boa amostra do período Barroco e Clássico, com peças muito conhecidas. É uma bela oportunidade para apreciar essas grandes composições – explica.
Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob a orientação de Arlindo Teixeira, Tiago Flores se especializou em regência orquestral em São Petersburgo, na Rússia. Participou de cursos, oficinas e festivais com Kurt Redel (Alemanha) e Lutero Rodrigues. Atuou à frente de orquestras do Brasil, Venezuela, México, Itália e Áustria. Entre 1999 e 2011, foi diretor artístico da OSPA. Recebeu o prêmio "Melhores da Cultura 2005" da Secretaria de Estado da Cultura - RS, prêmio Açorianos de Melhor CD Instrumental, em 2006, e Melhor Espetáculo 2008, concedidos pela Secretaria da Cultura de Porto Alegre. Atualmente, além de Diretor Artístico da OSPA, é regente da Orquestra de Câmara da ULBRA desde sua fundação e vêm recebendo inúmeros elogios da crítica especializada. 
Os Concertos da OSPA têm patrocino da Lei Federal de Incentivo a Cultura, Vonpar, Ipiranga, Gerdau, Souza Cruz e Brasília Guaíba. A realização é da OSPA e Secretaria de Estado da Cultura - Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Acesse: www.ospa.org.br

domingo, 8 de maio de 2011

Matemática norte-americana

Depois de 10 anos (2001-11), matamos mais de 919 mil pessoas no Iraque, Afeganistão, Paquistão, etc... Gastamos US$ 1,2 trilhão em gastos militares. Finalmente, conseguimos assassinar mais uma pessoa. (Michael Moore, escritor e cineasta norte-americano)

Reconhecimento

Parabéns aos gremistas pela vitória de hoje. O time de vocês mostrou como um clube pode superar-se diante de resultados adversos. Meu Inter, ao contrário, revelou-se passivo, sem reação, amorfo...

sábado, 7 de maio de 2011

Suely, minha mãe

Ela, Suely, me trouxe ao mundo.
Exibiu seu imenso amor e disposição
para me mostrar os caminhos do bem.
Ela, Suely, deixou de pensar nela
para pensar em mim.
Ela, Suely, sorriu e chorou ao meu lado,
independente do momento.
Ela, Suely, é minha amada mãe,
a quem homenageio neste domingo.
E, por extensão, abraço todas as minhas amigas mães.
Vocês, como Suely, são corajosas e dignas de muito amor.

Publicar ou não as fotos

A mídia mundial transformou-se na quinta-feira, dia 5 de maio, num gigantesco Observatório da Imprensa: junto com os fatos está discutindo como tratá-los. Publicar ou não publicar, eis a questão.
O dilema ficou mais nítido nas últimas horas de quarta-feira, quando os portais de internet dos grandes veículos de comunicação do mundo receberam da Reuters as fotos dos três acompanhantes de Osama bin Laden mortos junto com ele em Abbottabad e obtidas por intermédio da generosa polícia paquistanesa.
 O portal do Estadão preferiu não chocar os seus leitores e leitoras: vetou a reprodução das horrorosas imagens. Já os portais da Folha, El País e The Guardian compreenderam que era seu dever publicá-las. Não porque sejam adequadas – certamente não são – mas como uma tomada de posição antecipada diante da decisão da Casa Branca de não mostrar o crânio esfacelado do inimigo público nº 1, o ex-comandante da Al-Qaida.
Vítima potencial
Convém lembrar que este debate sobre a divulgação de imagens chocantes ficou agudo a partir do momento em que o terrorismo tornou-se cotidiano. Os terroristas precisam do apoio da mídia para intimidar e apavorar. Nos dias seguintes ao 11 de setembro de 2001, o grosso da mídia americana evitou a exposição de corpos despedaçados para não aumentar o desespero da nação e foi acusada – sobretudo por setores da esquerda – de promover a autocensura.
Texto de Alberto Dines, publicado no Observatório da Imprensa

Câmara dos Deputados promove chat sobre diploma de Jornalismo

A Câmara dos Deputados promove na segunda-feira, dia 9 de maio, um chat sobre a Proposta de Emenda à Constituição 386/2009, que restabelece a exigência do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. O bate-papo tem início às 15h, tendo como convidado o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), autor da PEC.
Para participar e fazer perguntas, é necessário cadastro no site www.edemocracia.camara.gov.br, do Portal da Câmara dos Deputados, e acessar a comunidade 'Obrigatoriedade do diploma de Jornalismo'. Um fórum de discussão já foi aberto e ficará à disposição dos internautas para debate preliminar até o início do chat. O  Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul colocará sua estrutura à disposição para que a categoria possa acompanhar o evento.
O coordenador do Programa e-Democracia da Câmara dos Deputados, Cristiano Ferri, diz que o portal busca, por meio da Internet, incentivar a participação dos cidadãos no debate de temas legislativos importantes para o país. "Acreditamos que o envolvimento social na discussão de novas propostas de lei contribui para a formulação de políticas públicas mais realistas e implementáveis", diz Ferri.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Angelina


Angelina,  querida prima e companheira de luta, sinto imensa tristeza pela tua falta. Foste uma mulher lutadora, de fibra e consciente de seu papel em defesa de um mundo melhor. Farás falta em todos os locais onde circulavas: na família, no campo educacional, na defesa dos oprimidos, na militância política, nos momentos alegres que transmitia aos que a rodeavam. Dizem que não existe pessoa perfeita, mas nos momentos em que convivi contigo notei que esta regra não se aplicava a ti. Nenhum defeito vislumbrei. Por isso, lamento que Deus tenha sido exagerado ao levar-te aos 65 anos. Ainda tinhas muito para produzir.

O jantar


                                O jantar na casa de Leda tinha sido marcado há um mês.  Foi um "parto" reunir as amigas mais afinadas para o encontro que ela considerava de aproximação. Afinal, tinham se formado em nutrição fazia dois anos e depois nunca mais se viram. Apenas tinham trocado palavras no Orkut e no Facebook, mas as redes sociais pareciam tão distantes e vazias. Muita gente se metia, pensava.
                               Primeiro chegou Catarina, toda vistosa em um terninho vermelho, com detalhes em branco. Parecia feliz, contrastando com a dona da casa, metida em um jeans e uma blusa branca discreta. Não estava mal vestida, mas andava carente desde a separação de Augusto em agosto do ano passado. Achava-se desleixada, para baixo, mesmo que o emprego em uma rede de restaurante exigisse rigor no vestir.
                               – Que chique estás, Leda. Pareces remoçada – disse a amiga, contrariando com o que pensava de si.
                               – Tu também, amiga. De namorado novo? – perguntou, mesmo sabendo que a resposta seria positiva (o Orkut tinha denunciado Catarina).
                               – É, tu sabes. Hoje, é difícil arranjar um homem legal – concordou a visitante – E tu, sozinha?  
                               – É. Não – respondeu, sem saber definir os papos virtuais – alguns interessantes –  que passara a manter nos últimos meses.
                                Foi salva pela chegava de Valquíria, alegre como sempre e passando o espírito para a maneira de vestir (saia acastanhada e blusa bege, deixando os seios médios à mostra levemente). Era a mesma garota imberbe do tempo de aula. Tanto que trouxe, a tiracolo, um cão da raça yorkshire que, ao seu estilo, não parava de latir.
                                – Gente, apresento o Léo. É o cachorrinho mais gracioso do mundo. Não quis deixá-lo sozinho, mas não se preocupem. Já arranjo um lugar para ele – definiu, sem cumprimentar formalmente as amigas.
                                 Leda não gostava de cachorros dentro de casa, mas não poderia contrariar a amiga. Ofereceu o banheiro da empregada, mas Valquíria rejeitou, com ar de nojo. Tudo que ela queria para o totó era uma cama bem confortável. Conseguiu. Léo foi acomodado no quarto de Lucas, filho mais novo de Leda, que naquela noite fora dormir na casa do pai.
                                 Mal a porta do quarto do cachorro – ou melhor, de Lucas – foi fechada, a campainha tocou. Era Paula, uma morena alta que trabalha numa empresa fornecedora de alimentação. Era o tipo de mulher fadada a desfilar nas passarelas, à moda de Gisele Büdchen. O salto do sapato a agigantava ainda mais.
                                  – Amigas, desculpe o atraso, mas o trânsito estava péssimo. Levei mais de meia hora de casa até aqui – desculpou-se, cumprimentando uma a uma as amigas.
                                  – Nossa, vamos ter desfile hoje ­ – gritou Valquíria, não perdendo tempo para brincar com a altura da colega.
                                   – Menos, menos Valquíria – pediu Leda, já prenunciando um clima de atrito de atrito.
                                   Tudo calmo, coquetéis servidos com canapés, e nada da Susana. É verdade que ela mora em outra cidade, mas poderia ter saído antes.
                                  – Vai ver o marido não a deixou sair – provocou Valquíria, recebendo o sinal positivo de Paula.
                                  Falaram no homem e ouvem uma batida na porta. Era, certamente, a última das amigas. De fato, ela apareceu, mas trazendo junto o marido. Susana quase voltou ao ver os olhos arregalados das colegas.
                                  – Gente, eu posso explicar. Só pude vir porque aceitei que o Juarez viesse junto. É nosso pacto agora; quanto um sai, o outro sai também.
                                  – Mas... – disseram quase que juntas as outras quatro, numa espécie de corrente de concordância. Afinal, era um encontro de mulheres.
                                  – Não se preocupem, ele não ficará conosco. Ele quer ver o jogo de futebol – explicou Susana.
                                  – Mas onde? – perguntou a dona de casa.
                                  – Não tem outro televisor além deste? – retribuiu Susana, olhando para todos os cantos.
                                  ­­– Só o do meu quatro...
                                  – Serve. Ou não queremos ficar sozinhas? – comandou Susana, como se a casa fosse dela.
                                 – Bem, então está. Ele senta na poltrona e nós ficamos aqui – concorda, com certo ar de impaciência, a dona da casa.
                                  E lá foi Juarez, sem emitir qualquer palavra, nem mesmo cumprimento. Estava louco pelo jogo.
                                  Pronto, finalmente ficaram sós as cinco mulheres. O papo poderá rolar solto, as fofocas poderão fluir e os drinques passarem de mão em mão.  
                                  – Mas o que este homem veio fazer aqui? Nunca tinha visto isso – diz a até então quieta Catarina – Eu poderia ter trazido o meu.
                                  – Mas quem disse que tu tens homem – ataca Susana.
                                  – Olha, é melhor que o teu. Pelo menos fala – retribui Catarina.
                                  – Tu cala a boca. Na faculdade, nem falavas com os rapazes – diz, cada vez mais furiosa, Susana.
                                  – E depois me olharam com estranheza quando apareci com o Léo – proclama Valquíria.
                                 – O quê? Tem mais homem aqui. E depois falam do meu. Vocês são umas vagabundas – agride Susana.
                                  – Vagabunda és tu...
                                  – Não, és tu...
                                  – És tu...
                                  Trocaram acusações, insultos, rolaram pelo chão, trocaram tapas, quebraram copos e deixaram sujas de capanés as roupas que tinham aprontado para o encontro de aproximação.
                                  – Vou embora desta casa agora – adiantou-se Catarina, seguida por Valquíria, Paula e Susana. Leda, sentada no chão, não sabia o que fazer. Pensou em deitar no sofá para relaxar quando ouviu barulhos estranhos vindos dos quatros. Foi conferir. No aposento do filho Lucas, o yorkshire de Valquíria latia e corria e para todos os lados, derrubando o que encontrava pela frente.
                                  Leda fechou a porta e foi conferir o outro sinal – ainda mais estranho – que vinha de seu quarto. Abriu e quase caiu de susto ao ver Juarez deitado em sua cama. Pior: dormia, exibindo uma pança saliente e roncava tal como Augusto, seu ex-marido. No televisor, o locutor gritava gol de maneira frenética. A dona da casa fechou as janelas e portas da casa e saiu gritando:
                                – Agora, quem sai deste inferno sou eu.

* Conto produzido em laboratório da disciplina Escrita Criativa, na PUCRS, em  abril de 2011.