quinta-feira, 29 de maio de 2008

Quem está em grande enrascada: a Igreja, a Ciência ou a Humanidade?

Importante a artigo deste bispo mineiro a respeito do emprego das células-tronco. Quem ler, saberá que a Igreja não tem uma posição tão consensual como parecia.

A Igreja numa grande enrascada

Dom Paulo Francisco Machado

Bispo Diocesano de Uberlândia

Continuamente a Igreja vem sendo questionada acerca do emprego das células-tronco nas pesquisas científicas para descobertas de curas e terapias de alguns graves problemas de saúde que afligem a humanidade, como: diabetes, doenças neurodegenerativas, hematológicas, renais, acidentes vasculares do coração e do cérebro, traumas na medula espinhal. O grande mérito de tais estudos é a possibilidade de livrar-nos de uma série de doenças relacionadas aos tecidos ósseos, nervoso, muscular, sanguíneos. As tão famosas células são encontradas no cordão umbilical, na placenta, na medula óssea, etc.

É claro que a possibilidade de tais conquistas, anunciadas entusiasticamente pelos meios de comunicação de massa, enchem de esperança tantas pessoas acometidas por tais males. E, é claro que a Igreja não pode de modo algum deixar de se regozijar com tão importantes conquistas da humanidade, uma vez que ela é anunciadora do Evangelho da Vida: "Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida... Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham abundantemente". Diante disso não podemos ter outro caminho que acolher a proposta do Senhor, escolhendo a vida ("Escolhe, pois a vida").

Dito isto, cabe-nos esclarecer que as células-tronco podem ser extraídas de células adultas, encontradas no sangue, no cordão umbilical, na medula óssea ou, de células embrionárias que parecem ter alto poder de diferenciação na formação de células de outros tecidos do nosso organismo. As pesquisas e aplicações das células adultas não ferem a moral, portanto merecem todo louvor os cientistas que, respeitando o valor da vida, atuam nesse campo. Já o uso de células embrionárias para pesquisas contraria a moral, porquanto, até a presente data, é necessário destruir, matar o embrião para sua aquisição.

Na verdade não há o suposto conflito entre a Igreja e a Ciência: esse se encontra entre a Ciência e a Moral. Acontece que a Ciência, junto com a sua homenageada irmã siamesa, a Tecnologia, não tem autoridade no campo Moral. A Ciência e a Tecnologia produziram as armas – pense, por exemplo, no famoso punhal de Toledo ou na bomba H – mas é a Moral que, delimitando as fronteiras do verdadeiro bem, vai nos apontar o que devemos fazer. A ela compete delimitar o campo de pesquisa de uma Ciência, dizendo-nos se essa corresponde ao bem da humanidade. Há muitos anos guardo um texto de um cientista alemão naturalizado americano, Werner von Braun, que insiste, para a sobrevivência da humanidade, na necessidade de nos atermos aos princípios Morais, Éticos. Dizia-nos: "Hoje, mais do que nunca, a sobrevivência – a sua, a minha, a dos nossos filhos – depende de nossa adesão aos princípios Éticos. Só a Ética decidirá se a energia atômica vai ser uma bênção ou a origem da destruição total da Humanidade". Continuando o pensamento desse grande cientista, tecnólogo e sábio posso dizer que a Ética já tem uma resposta quanto ao uso das células embrionárias: "Não se pode matar um embrião, destruir uma vida humana que vem se desenvolvendo, para se produzir órgãos "sobressalentes" para curar, ou mesmo, salvar um adulto". Se o primitivo antropófago se alimentava da carne dos seus inimigos com a expectativa de reter sua força, os novos antropófagos estão na ânsia de comer o fígado, cérebro, pâncreas, coração de seus irmãos para conservar suas vidas.

Não se pode interromper o misterioso processo, a audaciosa e grande aventura de prosseguir o caminho já iniciado da vida humana. O embrião não é um cristal, um tumor, não é algo, é alguém que deu a partida para o mais fantástico grande prêmio, tem amplas possibilidades de subir ao pódio do parto e, assim celebrar mais uma vitória da vida. Afinal de contas o embrião humano não é a célula mater de uma barata ou de um orangotango, pois tem a estrutura genética própria dos humanos. É, sem dúvida, um organismo imaturo, mas tem em si as potencialidades de prosseguir a sua aventura vital e, assim, um dia poderá pronunciar as mais queridas palavras forjadas na nossa linguagem: "papai...mamãe ... eu te amo...". Logo no seu início distingue-se da célula paterna e materna: é alguém único no mundo.

Talvez tenha que advertir que o desprezo da Ética e da Moral terá efeitos desastrosos para o futuro humano. Se incentivarmos a "Cultura da Morte" e, hoje, não defendermos o "Evangelho da Vida", não faltará quem irá propor uma injusta lei de eliminação de todos quantos são pesados para o erário público, que tornam os impostos tão altos.

Deixo ao caro leitor as questões para reflexão:

1. Um ser humano, no início de sua vida, de sua existência é ou não sujeito de direitos, inclusive do fundamental direito a prosseguir na sua admirável aventura de mostrar o seu rosto e fazer sua peregrinação vital, como todos nós neste mundo?

2. Quando se inicia para alguém o direito de existir?

3. A quem compete o direito de determinar quando começa a vida humana, para que essa possa gozar dos direitos de cidadania?

Não penso que possamos barrar, com as nossas ponderações, todo o processo de pesquisas com as células embrionárias. Faço votos para que se possam encontrar meios eficientes de extraí-las sem danificar ou matar o embrião, que já é sujeito do grande direito de viver, de crescer, um dia mostrar seu rosto para todos. Se não conseguirmos, a Ciência e a Tecnologia serão julgadas pela História. Há anos a Igreja reconheceu o erro de alguns de seus membros em condenar Galileu. Será que a Ciência terá a humildade de, no futuro, reconhecer seu erro e seu crime?

Afinal de contas, quem está em grande enrascada: a Igreja, a Ciência ou a Humanidade?

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