domingo, 7 de março de 2010

" O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

Interessante texto sobre a mudança de nossas relações ao longo do tempos. Assino embaixo.
José Antônio Oliveira de Resende *


Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.
Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família
grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo.
E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
 OLHA O COMPADRE AQUI, GAROTO! CUMPRIMENTA A COMADRE.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus  irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
 MAS VAMOS NOS ASSENTAR, GENTE. QUE SURPRESA
AGRADÁVEL!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e
minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras.
Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos
visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha, geralmente uma das filhas, e dizia:
 GENTE, VEM AQUI PRA DENTRO QUE O CAFÉ ESTÁ  NA MESA!
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo  sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa.
Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDãO.
Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua  e
ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente
combina encontros com os amigos fora de casa:
 VAMOS MARCAR UMA SAíDA!... ? ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas.
Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados
que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!


*
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.

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