O jornalismo e a reportagem estão mortos? Esta foi a pergunta que
marcou o debate “Tempo de reportagem e o papel do jornalismo”, ocorrido
na última quinta-feira (20), no Barão de Itararé, em São Paulo. Audálio
Dantas, jornalista e escritor; Ricardo Kotscho, jornalista da TV Record e
autor do blog Balaio do Kotscho; e Natalia Vianna, da Agência Pública.
Por: Felipe Bianchi, no sítio do Barão de Itararé
Eles discutiram a influência da Internet, a crise da mídia tradicional e o esvaziamento político da profissão no Brasil.Na opinião de Audálio Dantas, os veículos independentes exercem um
papel fundamental no jornalismo atual. “ A mídia alternativa tem uma
função parecida com a que veículos como Opinião, Movimento, entre
outros, tinham durante a ditadura, ainda que estejamos em um período de
democracia”, diz. No entanto, Dantas ressalta que a realidade
democrática ainda não é a ideal: “Às vezes esquecemos que rádios
comunitárias são discriminadas descaradamente, por exemplo. A sociedade
tem que dispor de instrumentos para que trate de defender seus
interesses, que é o direito à comunicação”.
Audálio Dantas, hoje aos 80 anos e membro do Conselho Consultivo do
Barão de Itararé, presidiu o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
durante a ditadura militar e também foi deputado federal. “Havia uma
luta cerrada, pela qual dediquei meio mandato parlamentar meu, contra a
concessão de canais de televisão e rádio a parlamentares ou seus
laranjas. São concessões públicas, de propriedade do Estado, usadas
indevidamente não só por políticos e seus interesses paroquiais, mas
também usadas indevidamente por grandes grupos de comunicação”.
Ricardo Kotscho, que também exerceu a profissão de jornalista sob a
vigilância dos censores da ditadura militar, afirma: “Se a reportagem
está morrendo eu não sei, mas nós continuamos vivos, porque nos fazemos
esta pergunta a mais de 30 anos”. O jornalista destaca a importância da
questão do controle da informação pelos donos de grandes veículos no
Brasil, afirmando que “o tema é fundamental para a democracia no país.
No entanto, Kotscho dispara contra a apatia que aflige as redações nos
dias de hoje.
“Apesar de vivermos em um período democrático, eu acho que o controle
da informação é maior hoje do que no tempo da censura. Quando eu
trabalhava em uma grande redação, durante a ditadura, nós, jovens
repórteres, tínhamos plena autonomia para elaborarmos pautas, escrever e
editar. Hoje, não há liberdade de pauta, nem liberdade para escrever ou
editar. Essa é a grande contradição que eu vejo no jornalismo
atualmente”, diz.
Além de elogiar a carreira de Audálio Dantas e seu livro Tempo de
reportagem – lançado oficialmente durante o debate –, Kotscho destacou
que já não vemos muito mais reportagens como as feitas por Dantas. Ele
lembra que a classe jornalística tem sua parcela de culpa: “Quando os
censores saíram das redações, parece que os jornalistas deixaram de
lutar e de enfrentar a situação. Tem que haver luta nas redações, que
não pode se esvaziar”.
O jornalismo após a Internet
Parte de uma nova geração de jornalistas, Natalia Viana garante que a
crise é da indústria da comunicação e não do jornalismo. “Nunca estive
em uma grande redação, mas ao longo de 12 anos consegui fazer
reportagens que tiveram repercussão e foram consideradas boas por muita
gente. Por que isso? Porque o mercado está em uma crise profunda, em
grande parte alavancada pela Internet”, diz.
De acordo com ela, vivemos um momento de renovação do jornalismo: “A
indústria está em crise eu não tenho a menor dó dela. Isto possibilidade
outras formas de se fazer jornalismo crítico. A morte da mídia
tradicional e dos jornais impressos não significam a morte do
jornalismo, pelo contrário”. Em sua avaliação, devemos buscar novas
formas de fazer, organizar, experimentar, financiar e difundir a
reportagem. “É isso que fazemos na Agência Pública e que vem pipocando
no Brasil e no mundo”, diz.
O problema, para ela, é que os grandes veículos não querem abrir mão
de seu poder, mas o caso Pinheirinho, diz, é um exemplo de como o
cenário mudou. “A mídia alternativa vem sendo referência do que é
informação, como no caso do Pinheirinho. O caso marcou um momento
importante para o jornalismo. Já houveram muitas desocupações violentas
como a do Pinheirinho, mas isso nunca havia chegado no Jornal Nacional e
nas capas do Estadão e da Folha. A cobertura consistente dos veículos
independentes e de cidadãos que estavam no local forçou que o assunto
não fosse ignorado”.
Democratização da comunicação
Audálio Dantas aproveitou a ocasião para falar sobre a importância da
criação de um novo marco regulatório para as comunicações. Ele apontou a
grande concentração dos meios de comunicação como um dos maiores
problemas para a democracia brasileira. “Sempre houve uma oposição muito
grande dos donos dos meios de comunicação em relação a este tema, que é
um dos principais problemas que cerceia a liberdade de expressão no
país. Essa concentração provoca a defesa de interesses de grupos e não
do interesse público”, diz.
O jornalista também critica a apropriação da bandeira da liberdade
expressão pelos grandes conglomerados do setor: “A liberdade de imprensa
é um escudo que os empresários usam toda vez que se ameaça o enorme
poder dos grandes veículos. Na verdade, deviam chamar liberdade de
empresa”.
Kotscho endossou a necessidade de democratizar a comunicação,
ressaltando a partidarização da grande mídia brasileira. “A liberdade de
imprensa é um negócio para meia dúzia de famílias que controlam
veículos de comunicação e, pior que isso, estes meios transformaram-se
em verdadeiros partidos”.
Audálio lança livro
Audálio Dantas, cujas reportagens já receberam diversos prêmios ao
longo de sua carreira, aproveitou a ocasião para lançar oficialmente seu
livro Tempo de reportagem (Editora LeYa). A obra compila diversas
reportagens escritas pelo jornalista, incluindo matérias que ainda não
haviam sido publicadas em livros anteriores. Além da íntegra das
reportagens, Dantas conta a história de cada uma das matérias – como foi
feita, quais eram as expectativas sobre os acontecimentos e os
resultados da publicação.
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