segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Não basta ser mãe

O interessante texto do colega Duda Rangel no blog Desilusões Perdidas me faz lembrar das inúmeras vezes que consersei com estudantes de Jornalismo por este Rio Grande afora. O sonho da gurizada - a maioria mulher, que fazia a sala ou auditório parecer local de concurso de beleza - é a Globo, a Vênus Platinada. Não adiantava dizer que o mercado estava em outros lugares. O texto abaixo, do Duda, é um retrato do que vi e ouvi. Ou melhor, continuo vendo e ouvindo...

Dona Maria torceu o nariz quando a filha, Luiza, revelou que seria jornalista. Só ficou mais calma quando Luiza explicou que a profissão dava futuro, sim! Disse mais: um dia, seria famosa, trabalharia numa TV – quem sabe na Globo? –, e sua mãe teria o maior orgulho dela. O emprego na Globo nunca chegou, mas Luiza, depois de perambular por umas publicações impressas, virou repórter em um canal fechado especializado em informações para o mercado financeiro.

- Mas, minha filha, alguém vê este canal?

- A senhora quer saber quem assiste? A nata do mercado financeiro! Só gente bambambã, os caras cheios do dinheiro.

Dona Maria sentiu-se novamente mais calma. Teve de ampliar a venda de produtos da Avon às amigas para conseguir pagar a assinatura de uma TV a cabo. Não queria perder um programa com as reportagens da filha. Mudou a rotina. Sentada no sofá, não piscava os olhos. Vez ou outra tinha a companhia da faxineira que ficava em pé ao seu lado, apoiada na vassoura.

- Ô, dona Maria, o que é comode?

- Não é comode, Cleuza! É comodite!

- E o que é isso?

- Eu sei lá o que é isso. Vai trabalhar, Cleuza, vai, vai...

Dona Maria não sabia o que era commodity, hedge fund ou alavancagem, mas isso tudo não importava. O que importava era ver Luiza todo dia em seus boletins financeiros. Chegava a fazer cafuné na cabeça da filha pela tela da televisão. Beijar suas bochechas. Checava se a maquiagem estava correta. Dona Maria sabia até quando a filha havia dormido mal – as olheiras não mentiam –, ou quando estava triste – pela melancolia de sua voz.

- Mãe, eu tô bem, sim. A minha voz estava triste, porque a notícia era ruim. Só isso. A gente só se empolga quando o fato é positivo. Pode ficar calma.

Dona Maria passou a gravar os programas da filha e fazer a maior propaganda de Luiza pela vizinhança, pros parentes, pras amigas que compravam Avon. E ai de quem ousasse falar mal da filha.

- Eu nunca vi a Luiza, dona Maria. Onde ela trabalha mesmo?, quis saber Laura, a mulher que arrumava o cabelo de Dona Maria.

- É no canal 59, só sobre notícias financeiras.

- Ah, sei, é tipo Canal do Boi, né, daqueles que ninguém assiste?

- Tá despeitada, hein, Laura? Sabe quem vê a Luiza? A nata do mercado financeiro. Só os caras do dinheiro, só os caras do dinheiro.

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